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sábado, 27 de novembro de 2010

Trabalhando com quadrinhos em sala de aula


Juliana Carvalho

Professora e redatora

Eu, que fui criança na década de 1980, não me lembro de ter lido (com permissão do professor) nenhuma revista em quadrinhos em sala de aula. Infelizmente, não tive nenhum professor pioneiro que percebesse as infinitas possibilidades desse material para o trabalho com qualquer disciplina. Ao contrário, se qualquer aluno fosse visto com uma revistinha, ela era “sequestrada” e se exigia a presença dos pais na escola para a devolução. Todos os dias, depois de ir à escola e fazer as lições da cartilha Casinha Feliz, era ao chegar a casa que eu realmente aprendia a ler com os gibis da Turma da Mônica, comprados aos montes por meu pai. Os gibis não foram apenas coadjuvantes na minha formação leitora; foram fundamentais no processo de aquisição da língua e de capital cultural.

Se na década de 80 tive o incentivo dos meus pais para ler as revistinhas, nas décadas anteriores isso não ocorria. As histórias em quadrinhos eram culpadas pelo desestímulo à leitura e à criatividade, já que mostravam os cenários desenhados e deixavam pouco para a imaginação do leitor, o que tornaria as crianças preguiçosas. Além disso, foi publicado nos EUA, no início dos anos cinquenta, o livro Sedução dos Inocentes, de Fredrick Werthan, que apontava os gibis como responsáveis pela delinquência juvenil.

Hoje, os tempos são outros. Os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (RCNEI), e os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) já os contemplam e destacam sua importância ao sugerir o trabalho com diversas mídias em sala de aula. Em 2007, dez anos depois da criação do Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE), as histórias em quadrinhos (HQs) finalmente foram incluídas nos acervos distribuídos a bibliotecas escolares. Foram 14 livros naquela edição e outros 16 em 2008. Em 2009, as HQs já representam 4,2% dos 540 títulos listados pelo programa.

Entre os motivos para utilizar os quadrinhos na escola, estão a atração dos estudantes por esse tipo de leitura, a conjunção de palavras e imagens, que representa uma forma mais eficiente de ensino, o alto nível de informação deles, o enriquecimento da comunicação pelas histórias em quadrinhos, o auxílio no desenvolvimento do hábito de leitura e a ampliação do vocabulário. O que se vê cada vez mais é a formalização desse gênero textual na sala de aula, mas muitos professores ainda têm dúvidas sobre como utilizá-lo. Que aspectos devem ser explorados? Os quadrinhos podem ser utilizados em qualquer disciplina? HQs, tirinhas, charges e cartuns devem ser trabalhados da mesma forma?
Vou tentar responder a algumas dessas dúvidas e dar sugestões para atividades relacionadas com qualquer disciplina, em especial com o ensino de língua portuguesa, do qual posso falar com mais propriedade. Para facilitar nosso entendimento, utilizamos tirinhas utilizadas do artista Marcelo Vital, disponíveis no site www.fulaninho.com.br.

Os quadrinhos

As histórias em quadrinhos, charges, cartuns e tirinhas são textos multimodais, ou seja, trazem, além da linguagem alfabética, imagens, disposição gráfica na página, cores, figuras geométricas e outros elementos que se integram na aprendizagem. Antes de desenvolver atividades de qualquer disciplina – um trabalho com operações matemáticas, por exemplo –, é preciso explorar todas essas formas de representação para ampliar a capacidade leitora e garantir que a criança ou jovem entenda ao máximo os recursos oferecidos, gerando sentido. Observe a imagem:

A importância da imagem

Neste quadrinho, a imagem tem um peso grande, pois, se retirássemos as falas, grande parte dele seria compreendida. A situação está visível no contraste entre a expressão facial dos pais (surpresa e tristeza) e a do filho (feliz). É preciso explorar todos os elementos presentes no cenário, como cores e disposição dos móveis. A sala em tons pastéis e a presença de poucos móveis passam uma ideia de organização, e isso reforça a sujeira feita pela criança com tinta cor-de-rosa. Está a cargo do texto escrito mostrar o equívoco do filho, ao pensar que a mãe estava chorando de alegria.

Outro fator importante é o contexto. Principalmente nas histórias produzidas para adolescentes, como as de super-heróis, estão presentes inúmeras referências atuais e históricas à cultura pop, guerras, personagens políticos e sociais. É fundamental mostrar o contexto em que a HQ foi produzida, no caso de quadrinhos antigos, ou acrescentar mais informações caso haja referência a algum fato histórico.

Charges, tirinhas, cartuns e histórias em quadrinhos

O que são e como se caracteriza cada um deles? As definições a seguir foram retiradas da Wikipédia:

Charge é um estilo de ilustração que tem por finalidade satirizar, por meio de uma caricatura, algum acontecimento atual com uma ou mais personagens envolvidas. A palavra é de origem francesa e significa carga, ou seja, exagera traços do caráter de alguém ou de algo para torná-lo burlesco.

Um cartoon, cartune ou cartum é um desenho humorístico acompanhado ou não de legenda, de caráter extremamente crítico retratando de forma bastante sintetizada algo que envolve o dia-a-dia de uma sociedade.

A tirinha, também conhecida como tira diária, é uma sequência de imagens. O termo é atualmente mais usado para definir as tiras curtas publicadas em jornais, mas historicamente o termo foi designado para definir qualquer espécie de tira, não havendo limite máximo de quadros – tendo, claro, o mínimo de dois.

A revista em quadrinhos, como é chamada no Brasil, ou comic book como é predominantemente conhecida nos Estados Unidos, é o formato comumente usado para a publicação de histórias do gênero, desde séries românticas aos populares super-heróis.

Cores

As cores são elementos importantes na comunicação visual e, portanto, nas HQs. Nos quadrinhos, grande parte das informações é transmitida pelo uso de cores. A cor é um elemento que compõe a linguagem dos quadrinhos; mesmo nas histórias em preto-e-branco, não se trata apenas de um recurso estilístico. Os desenhistas americanos perceberam isso passaram a não restringir o uso de cores apenas ao cenário. Elas assumiram a capacidade de simbolizar determinados elementos, principalmente nos quadrinhos norte-americanos de massa, passando a simbolizar personagens na mente do leitor. O Incrível Hulk é verde. O Lanterna Verde também. O Capitão América tem o uniforme com as cores da bandeira norte-americana. Os Smurfs são conhecidos por serem todos azuis. Maurício de Souza também utilizou as cores para criar as identidades de seus personagens. Uma menina forte como a Mônica só poderia usar um vestido vermelho; que menino travesso não desejaria dar um nó nas orelhas de um objeto tão particular quanto um coelho de pelúcia azul?

O conhecimento das sensações e reações provocadas pelas cores é um importante instrumento de comunicação que tem sido usado nas HQs. Sabemos que o rosa, por exemplo, é uma cor feminina e juvenil, assim como o violeta. O vermelho evoca força, energia e está associado à vida, por ser a cor do sangue. Também se usa o vermelho para caracterizar situações de perigo, assim como nos sinais de trânsito. Quadrinhos com cores frias seguidos de quadrinhos com cores quentes podem significar a passagem da tristeza para a alegria ou da doença para a saúde, por exemplo. As estações do ano e os fenômenos climáticos também são representados por cores. O fundo preto é muito usado para representar a imaginação das crianças, um espaço onde tudo pode acontecer:

Os quatro quadrinhos iniciais retratam uma situação que só acontece na cabeça da criança. No último quadrinho, voltam a luz, as cores e, com elas, a realidade.

Balões

Os balões são recursos gráficos utilizados para tornar sons e falas visíveis na literatura. O balão seria o recurso gráfico representativo da fala ou do pensamento, que procura indicar um pensamento, um monólogo ou um diálogo. O quadrinho necessita do balão para a visualização das palavras ditas pelas personagens. Diferentemente da literatura, mesmo a ilustrada, os quadrinhos não precisam indicar ao leitor a qual personagem corresponde aquela fala ou pensamento, pois os balões indicam por meio do apêndice.

O formato dos balões pode variar de acordo com as intenções do autor. O balão de fala tem um contorno forte, nítido; o balão de pensamento tem outra forma. Ele é irregular, ondulado ou quebrado e o apêndice tem o formato de pequenos círculos. Pensar é algo bem diferente de falar em voz alta, ainda que seja um monólogo, por isso existe essa distinção entre os balões. O contorno do balão pode ser tremido, indicando medo ou emoção forte, pode ser recortado, o que indica explosão verbal ou raiva, ou mesmo pontiagudo, fazendo o leitor perceber que o som está sendo emitido por uma máquina. Também podem ser usados alguns contornos metafóricos, como estalactites (que indicam frieza na resposta) ou pequenas flores (que indicam o oposto). Outra característica dos balões é ajudar a mostrar ao leitor a ordem de leitura e a passagem do tempo. Uma exigência fundamental é que sejam lidos numa sequência determinada, para que se saiba quem fala primeiro. Uma boa atitude é incentivar seus alunos a descobrir vários tipos de balões e a criar os seus próprios.

Lapso de tempo

O lapso de tempo é o espaço que liga o quadro anterior ao posterior. Deve ser completado pela imaginação do leitor, fazendo com que a história tenha sequência. Para entender o quadrinho, é preciso entender o que aconteceu antes e o que acontecerá depois. Isoladamente, um quadrinho que faz parte de uma história é difícil de entender, mas duas imagens constituem uma narrativa, desde que sejam colocadas em sucessão ou que o leitor as entenda assim. Nas histórias em quadrinhos, o leitor constrói e confirma a narrativa que faz sentido na história. O lapso de tempo aceitável está no meio de duas imagens que representam continuidade. As transições são possíveis porque o leitor está acostumado a ler o corpo do texto como narrativa. O leitor procura, então, juntar os quadros para formar linearidade. Esta busca para “fechar” a narrativa, ou para “completá-la” estimula a criatividade e faz das HQs importantes instrumentos para a formação de leitores.

Metáforas Visuais

As metáforas visuais são usadas pelos autores para transmitir situações da história por meio de imagens, sem utilização do texto verbal. Quando o personagem está nervoso, sai fumaça da cabeça dele. Quando alguém está correndo muito rápido, aparecem vários traços paralelos e uma nuvenzinha para demonstrar seu deslocamento. Cédulas e moedas indicam que a pessoa está pensando em dinheiro, assim como corações indicam amor. Incentive seus alunos a criar metáforas visuais. Por exemplo, como seria a metáfora visual para alguém triste?

Sugestão de atividades

Língua Portuguesa

Observe a sequência de quadrinhos.

Uma atividade muito comum, mas nem por isso menos valiosa, é apagar os textos dos balões e pedir que as crianças escrevam seus próprios diálogos, fazendo a interpretação das imagens. Tendo como base esse quadrinho, também podem ser trabalhados temas como linguagem informal, compreensão do cenário, coerência das falas com as imagens, convívio entre crianças ou adolescentes.

Um fator importante nesse quadrinho é o contexto. Quem conhece a praia de Copacabana imediatamente vai associá-la à tirinha, pelo desenho do calçadão. Quem costuma frequentar essa praia compreenderá mais facilmente os apuros vividos pelo garoto que vai embora enfaixado, pois sabe que essa praia costuma estar cheia nos fins de semana e feriados. Crianças que moram em ambientes onde não haja praia precisam receber essas informações.

Essa é uma tirinha que apresenta muitos lapsos de tempo. Que situação deve ter ocorrido entre o quarto e o quinto quadrinhos?

Educação Artística

Os alunos podem analisar a linguagem dos quadrinhos e criar seus próprios personagens, balões, quadros e onomatopeias.

Matemática

Os alunos podem ser levados a desenhar histórias explicando operações matemáticas, ou que envolvam tramas cuja solução seja desvendada pela solução de um problema matemático.

História e Geografia

Os quadrinhos de super-heróis trazem muitas referências a fatos históricos, principalmente guerras. Ligas de super-heróis são geralmente compostas por heróis de várias nacionalidades. Algumas histórias da Turma da Mônica fazem referência a fatos históricos do Brasil. Cabe ao professor pesquisar e guardar este material para utilizar quando estiver lecionando sobre o assunto abordado.

Ciências

Os gibis dos X-Men, por exemplo, tornaram popular o conceito de mutação e podem ser usados para iniciar uma aula sobre Darwin. Por outro lado, muitas histórias em quadrinhos falam sobre descobertas científicas. Pesquise os quadrinhos do Quarteto Fantástico, Watchman, Homem-aranha, por exemplo.

Publicado em 19 de maio de 2009

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Reflexões sobre o ensino de Geografia nas séries iniciais do ensino fundamental



Valéria Marques[1]

publicado em 05/12/2008

Resumo__O objetivo deste trabalho é fazer uma reflexão sobre o ensino de Geografia nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental, analisando como foram construídas as formas de pensar e de fazer o ensino de Geografia nessas séries. Partindo da analise da inserção oficial no currículo, perpassando pelo Estudos Sociais e a Educação Moral e Cívica e os Parâmetros Curriculares Nacionais.

Palavras-chave: Ensino Geografia. Séries Iniciais.

Introdução

Este trabalho constitui parte da pesquisa que estamos desenvolvendo para o mestrado no programa de pós-graduação em Geografia da PUC-SP, cujo objetivo central é fazer uma reflexão a respeito do ensino de Geografia nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental, para posteriormente podermos refletir sobre a alfabetização em Geografia, e, dessa forma, compreender qual a importância desse componente curricular para essa fase de escolaridade com vistas ao desenvolvimento geral da criança.

Para o recorte deste trabalho faremos uma reflexão de como foram sendo construídos o pensar e o fazer relacionados às aulas de Geografia nas Séries Iniciais desde a sua inserção no currículo do Ensino Fundamental. Para isso dividimos esse trabalho em dois momentos e assim fizemos uma reflexão desde quando a Geografia foi inserida no currículo nas Séries Iniciais, até as heranças do período de regime militar, refletindo sobre as heranças da Educação Moral e Cívica, tais como o ensino de Geografia em Círculos Concêntricos e o vinculo deste componente curricular, nas Séries Iniciais, com as comemorações cívicas e datas festivas e o Estudos Sociais, com o esvaziamento dos conhecimentos geográficos.

Posteriormente, fizemos uma análise do ensino de Geografia a partir da década de 1980, com a redemocratização do país, refletindo especificamente sobre os encaminhamento proposto pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para o ensino de Geografia nas Séries Iniciais, que vai introduzir oficialmente os componentes curriculares de Geografia e História nas Séries Iniciais do Ensino Fundamenta, o que ressaltamos como ponto positivo, porém esse documento apresenta pontos que não contribuíram para melhorar o ensino de geografia nessas séries, reforçando alguns problemas antigos como ensino desse componente curricular baseado em escalas locais, mantendo a idéia dos Círculos Concêntricos, reforçando uma abordagem dual entre a natureza e sociedade e apresentando novos problemas como o ensino de Geografia voltado para a formação da cidadania e da criticidade, os quais discutiremos nesse texto.

O ensino de Geografia nas Séries Iniciais no Brasil

O ensino de Geografia passou a fazer parte do currículo oficial do ensino primário no País a partir promulgação da Lei Orgânica do Ensino Primário e a Lei Orgânica do Ensino Normal em 1946, conhecida como Reforma Capanema. Até aquele ano, a Geografia fazia parte desse nível de escolaridade de forma indireta, pois os conteúdos geográficos eram estudados em textos dos livros didáticos que os professores selecionavam. Os dados geográficos eram apresentados de forma descritiva, com a predominância do enciclopedismo e da descontextualização.

O ensino de Geografia não integrava diretamente os conteúdos das escolas de primeiras letras. Isso não impediu, porém, que aparecesse de maneira indireta nesses estabelecimentos. Sua presença ocorria por meio da história do Brasil e da língua nacional , cujos textos eram dedicados à descrição do seu imenso território com ênfase para suas dimensões e belezas naturais. (VLACH, 2004)

A Reforma Capanema foi, então, a responsável pela inclusão da Geografia nas classes do Ensino Fundamental elementar e complementar, de acordo com as propostas da Escola Nova o Ensino Primário tem a função de promover o desenvolvimento geral do aluno e não apenas a leitura e a escrita. Desse modo, a reestruturação curricular da educação, de forma geral, e também o ensino de Geografia foram ao encontro das necessidades de assimilação de conhecimentos úteis para a vida em sociedade.

Durante 13 anos ocorreram amplos debates até a promulgação da LDB de 1961, que era bem menos pretensiosa que a lei de 1946. Além disso, a orientação curricular era bem mais flexível. De acordo com Zott, as regulamentações promovidas na Lei 4.024/61, bem como a reforma que iria se concretizar com a Lei 5.692/71, tinham o objetivo de alinhar o sistema educacional aos planos do estado capitalista militar, a fim de adequar a educação à ideologia do “desenvolvimento com segurança”. Dessa forma, com a flexibilidade o currículo real de cada estado passou a ser organizado de acordo com as suas peculiaridades e necessidades. Como a Geografia não colaborava para a realização dos objetivos políticos e ideológicos daquele momento, o governo Jânio Quadros instituiu a Educação Moral e Cívica em todos os graus da rede de ensino. Assim, o ensino de Geografia nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental sofreu duplamente as conseqüências da LDB de 1961, posto que a flexibilidade curricular da nova lei permitia a cada estado fazer novos arranjos. Cada órgão estadual de Educação se organizava de acordo com seus recursos humanos e com a instituição da EMC os professores, ao se organizarem na sua prática docente, viam uma aproximação muito grande nas questões tratadas na Geografia e na EMC, haja vista que, de acordo com as determinações do Governo, tais disciplinas deveriam ser trabalhadas em círculos concêntricos, sob a égide de Deus e da pátria, englobando num leque maior a família e a comunidade. É o que se pode extrair da afirmativa de Cunha e Góes (1985).

A intenção era a de enquadrar o indivíduo em uma sociedade harmônica baseada no lema Deus, Pátria e Família, com ênfase para os papéis individuais como meio de progresso e bem-estar de todos. Cada cidadão deveria ser cumpridor de seus deveres e, como conseqüência, merecedor de direitos. O conteúdo do Ensino Primário estava centrado na relação família, escola e comunidade como forma de celebrar a coesão social e condenar os comportamentos desviantes desse padrão.

Percebe-se diante desse quadro que o vínculo da EMC com a Geografia era muito estreito, a ponto de determinar que a primeira deveria trabalhar em função da tríade família, comunidade, e nação. Entendia-se que esses assuntos substituiriam as temáticas geográficas em face da grande deficiência na formação de professores das séries iniciais. Assim, a assimilação ideológica seria facilitada, a prevalecer o raciocínio dos idealizadores de todo o processo.

Com a reforma da LDB em 1971, foi introduzida a matéria Estudos Sociais no currículo das escolas primárias visando à substituição de Geografia e História. A implantação da disciplina Estudos Sociais, somada ao ensino da EMC, acarretou muitos problemas que podem ser detectados na escola de base ainda hoje.

Heranças da EMC e dos Estudos Sociais

Ao analisar o ensino de Geografia nas Séries Iniciais podemos destacar alguns problemas que foram herdados ou reforçados no período de regime militar por meio da implantação da EMC e dos Estudos Sociais. Um dos principais foi o ensino de Geografia a partir de Círculos Concêntricos, e também vinculada ao civismo e às datas comemorativas. Há que se ressaltar que em muitas escolas a Geografia e a História ainda são trabalhadas como Estudos Sociais nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental o que nos mostra que ainda não conseguimos romper com essa forma de organização curricular.

Quanto aos Círculos Concêntricos se baseava no nível de desenvolvimento psicológico do aluno, que deveria ir do concreto ao abstrato vencendo etapas de acordo com seu nível de desenvolvimento. Assim, nas primeiras fases de escolaridade iniciava-se o estudo com uma referência mais próxima, a casa e a escola, a comunidade ou o bairro, para, posteriormente, avançar para o município, estado e nação. De acordo com Zotti (2004).

No ensino primário a EMC deve partir do que é próximo da criança - a família e a escola – para, ato contínuo, o estudo da comunidade, do País e do mundo (BRASIL, 1975). Ainda especifica os objetivos comportamentais e um rol de conteúdos a serem ministrados em duas unidades: Unidade I – Família: sua relação com a escola e a comunidade; Unidade II Escola: suas relações com a comunidade.

Desse modo, podemos perceber que o estabelecimento de uma ordem escalar para priorizar o desenvolvimento do ensino da EMC resultou na formação de um vínculo implícito com o ensino de Geografia. Em paralelo, um outro fator importante nesse sentido foi o de que no período já havia discussões relacionadas às Teorias Piagetianas, obviamente um reforço à idéia segundo a qual crianças nessa faixa etária deveriam aprender partindo do concreto, pois não tinham condição de abstrair-se, tese que sustentava a idéia de círculos concêntricos.

Assim, com a junção dos componentes curriculares houve um esvaziamento dos conteúdos de Geografia e História, dessa forma, a identificação de quais são os conteúdos geográficos e qual a importância desse componente curricular para essa faixa etária fica prejudicada, tornando-se uma dificuldade real para as professoras dessas séries.Com a permanência dos Estudos Sociais fica ainda mais difícil a compreensão de que a Geografia trata do onde as coisas acontecem, sendo dessa forma vinculada com a compreensão da dinâmica existente no espaço, enquanto que a História está relacionada com o quando as coisas aconteceram, ou seja, com tempo.

Um outro fator que confirma o vínculo entre o ensino de Geografia atual com a EMC e aos Estudos Sociais é a idéia de que as comemorações cívicas como Independência do Brasil, aniversário da cidade e outros feriados festivos relativos à história da Nação são tratados como atividades geográficas, sem tratados de forma histórica, fato que evidencia a fusão da Historia e da Geografia e reafirma o que foi comentado acima sobre o problema da falta de clareza nos objetivos geográficos.

Em assim sendo, é fácil compreender que os problemas herdados da EMC e dos Estudos Sociais ainda são muito fortes no ensino de Geografia nas classes iniciais. Ademais, é preciso evidenciar que as professoras dessas séries não possuem formação específica em Geografia e, além disso, muitas professoras carecem de referências geográficas, ou seja, além da falta de formação teórica há também a possibilidades de que muitas professoras durante toda a sua formação básica as aulas eram de Estudos Sociais e apesar de estudarem de alguma forma, tanto a história como a Geografia, não foi possível construir uma identidade relacionada com as aulas de Geografia. em toda sua vida escolar, algo passível de acarretar mais dificuldades.

Dentro desse contexto podemos compreender que, além da formação profissional deficiente, a formação cultural relacionada à importância do ensino de Geografia e os seus objetivos em alguns casos nunca ocorreram. Observa-se que as décadas sob regime militar no Brasil deixaram agudos problemas, principalmente para as Séries Iniciais do Ensino Fundamental. Tais falhas não podem ser atribuídas exclusivamente ao fato de os professores serem polivalentes e não terem formação específica em Geografia, mas às questões resultantes do inconcebível pouco caso com que a educação de base sempre foi tratada no País, com ênfase, como frisamos acima, para os monumentais equívocos perpetrados durante as décadas de regime militar.

Passamos então para a análise do ensino de Geografia nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental a partir da década de 80, com a redemocratização do País. Isso nos possibilitará depreender quais foram as principais propostas para romper com as práticas antigas relacionadas ao ensino de Geografia nessas séries. Ou ainda como alguns problemas foram se sedimentando ao longo das últimas décadas do século passado e início deste, apesar de tantas mudanças oficiais como a retomada do ensino de Geografia e História separadamente, a nova Lei de Diretrizes e Base, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e o Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) e, diante dessa nova conjuntura educacional, compreender quais foram as mudanças ocorridas ou quais os novos obstáculos apresentados.

O ensino de Geografia nas Séries Iniciais depois de 1980

A partir de meados da década de 1970, intensificam-se os movimentos sociais para que se restabeleça a democracia no País. Nesse período também aumentam de forma extraordinária as discussões relacionadas à educação de forma geral e especificamente com relação à Geografia.

Essa época foi marcada como um período que as teorias críticas ficam em maior evidencia. O Movimento de Renovação Geográfica, que já vinha sendo gestado lentamente, nesse período toma corpo e as teorias críticas ganham impulso tanto na Geografia como na Pedagogia. Assim, nesse processo de redemocratização os conhecimentos escolares passaram a ser questionados e as lutas de profissionais desde a sala de aula de todos os níveis educacionais ganham maior expressão. Diante de muitas reivindicações e discussões, em 1979, o Conselho Federal de Educação cede e dá o sinal verde para que Geografia e História voltem a ser ensinadas separadamente. Assim, na década de 80 aconteceu a reintrodução dessas disciplinas nas classes de 5ª a 8ª séries.

Quanto às primeiras séries do Ensino Fundamental não houve modificações, o que só veio a acontecer na década de 90, com a aprovação da nova LDB n.9394/96 em 20 de dezembro de 1996, em substituição às leis nºs 4.024/61, nº 5.540/68 e nº 5.692/71. Em 14 de junho de 1993, por meio da lei nº 8.663, foi revogado o decreto-lei nº 869/69, que incluía a EMC nas escolas, mas somente com a publicação dos PCNs é que de fato a Geografia nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental passou a ter espaço legal no currículo escolar.

Diante desse cenário é possível a observação de alguns pontos da reforma educacional ocorrida no Brasil na década de 1990. Parece claro que a instituição dos Parâmetros Curriculares Nacionais foi apenas um dos componentes dessa reforma educacional brasileira.Segundo a Lei de Diretrizes da Educação Nacional-Lei n. 9394/96, artigo 9° (1996, p. 29).

“A União incumbir-se-á de estabelecer, em colaboração com os Estados, Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a Educação Infantil, Ensino Fundamental e o Ensino Médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos de modo a assegurar a formação básica comum.”

Com todas essas mudanças o ensino de Geografia aos poucos vai se revitalizando nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental, mas essas alterações são ainda muita lentas, haja vista que até hoje as aulas da disciplina nessas classes fazem parte do currículo real de forma secundária. De acordo com Straforini (2002, p.96).

Sabemos que nos primeiros ciclos do Ensino Fundamental as aulas de Geografia, assim como das outras disciplinas que não sejam Português e Matemática, ocupam um papel secundário, muitas vezes irrelevante no cotidiano da escola. Sabemos que isso decorre da falta de discussões teóricas, metodológicas e epistemológicas, bem como do grande problema na formação dos professores das séries iniciais, que assumem as suas dificuldades perante a discussão teórica das referidas disciplinas.

Assim, como foi colocado anteriormente, o ensino de História e Geografia só iria se tornar parte do currículo oficial nas séries iniciais a partir da publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Mas é conveniente analisar como sua divulgação interfere na prática docente dos professores dessas séries e, desse modo, avaliar quais foram às mudanças positivas ou negativas resultantes da medida. E é sabido que oficialização das duas disciplinas nas primeiras séries do Ensino Fundamental não foi suficiente para incluí-las de fato nas salas de aula.

A intenção política do MEC era a formulação de uma base comum nacional que indicaria os conteúdos e capacidades a serem adquiridas pelos alunos ao final do Ensino Fundamental, que prevê a definição de elementos básicos comuns a partir de ampla discussão, com a participação e elaboração conjunta de todos os interessados no assunto através de suas organizações, porém, segundoSaviani (1996), a planejada ampla discussão não aconteceu, pelo menos de forma democrática, de maneira que os Parâmetros ficaram aquém do esperado, os textos extremamente teóricos, e, em alguns trechos, detalhistas demais e ambíguos.

Mexe-se no currículo, mas não são pensadas ações que ofereçam aos professores distribuídos por todo o território brasileiro momentos de reflexão no sentido de valorizar a interdisciplinaridade e os trabalhos coletivos em uma sociedade e em uma organização escolar na qual prevalece o individual, para não dizer o individualismo, em que as disciplinas estão extremamente compartimentadas, não considerando as fronteiras indeléveis existentes entre elas. Idéias boas são destruídas pela forma autoritária de sua implementação”. (PONTUSCHKA, 1999, p.17).

Em vista disso podemos, por meio das afirmações das autoras, perceber que apesar de a LDB exigir um Currículo de Base Nacional, os PCNs foram elaborados de forma a não cumprir as exigências da lei. Pode-se inferir, então, que as intenções eram mais que cognitivas e sim ideológicas, de acordo com Silva (1995), o currículo, ao lado de muitos outros discursos, nos faz ser o que somos. Por isso o currículo é muito mais que uma questão cognitiva, é muito mais que construção de conhecimento no sentido psicológico. O currículo é a construção de nós mesmos como sujeitos.

Assim, enquanto as discussões voltavam-se para uma suposta superação de problemas cristalizados na educação brasileira de forma geral, como as heranças positivistas chamada de educação tradicional, na Geografia ocorria o mesmo enquanto se buscavam soluções para os problemas antigos como as questões das dualidades relativas à Geografia Física ou Humana, bem como do ensino baseado na descrição e memorização, além do que outras equações foram se cristalizando e persistiam as práticas antidemocráticas. Com isso não se quer dizer que essas discussões não foram importantes, mas que as novas propostas não foram acompanhadas na prática docente e, dessa forma, novos problemas foram sendo sedimentados paralelamente aos antigos, haja vista a forma como foram implantados os PCNs.

Dessa maneira, nas discussões de antigos problemas outros recém-surgidos foram se solidificando e por meio de “palavras sagradas” vão sendo transformadas em “leis” dentro do ambiente escolar, nas capacitações, nos documentos oficiais, nas conversas dos professores e na mídia falada e escrita. E toda a problemática vai sendo reproduzida pelas professoras na suas práticas no dia-a-dia escolar. Para Arthur Lovejoy, um eminente historiador da Filosofia (apud AZANHA, 1995, p. 46), “muitas vezes essas palavras sagradas podem dar origem a confusas associações de idéias e até mesmo abrigando significados contrários.”

Podemos perceber que muitas palavras foram sendo tratadas como “sagradas” dentro desse contexto educacional, como cidadania e a criticidade. Assim, outro problema foi detectado e consistiu nas orientações para que o ensino de Geografia nas séries iniciais se voltasse para o desenvolvimento do cidadão crítico.

De acordo com os PCN (1997) adquirir conhecimentos básicos de Geografia é algo importante para a vida em sociedade, em particular para o desenvolvimento das funções de cidadania.

Fica claro que as orientações dos Parâmetros vão aos poucos configurando novos problemas. O lema da educação escolar passa a ser o de formar cidadãos críticos e as disciplinas, no caso a Geografia, são os meios para que isso ocorra. Posso (2006) afirmar que:

“A educação para a cidadania e democracia constrói-se como premissa na territorialidade escolar, perpassando todos os recortes e problemas específicos do espaciotemporal, sobrepondo-se como finalidade última e primeira de todas as ações. E, nesse sentido, como elemento dado constitui-se num problema.”

O tal problema consiste no fato de que essa preocupação aparente observada nos documentos oficiais é meramente superficial, pois de fato não há esforços para que mudanças estruturais ocorram e isso fica claro quando analisamos a forma como os PCNs foram elaborados, uma vez que esse documento estabelecia uma base nacional comum. Como sinaliza para uma escola democrática, esse documento, no mínimo, também deveria ter sido feito de modo democrático, o que não ocorreu. Salienta (PONTUSCHKA, 1999, p.17): “Idéias boas são destruídas pela forma autoritária de sua implementação.”

Outra questão problemática é a idéia de que, para se promover o ensino de Geografia nessas séries, as crianças devem estar alfabetizadas, dominando os códigos lingüísticos. A ausência de orientações que encaminhem o seu aprendizado por meio da oralidade, de dramatizações, músicas ou brincadeiras vai reforçar a idéia de que o ensino de Geografia nas Séries Iniciais do ensino fundamental só deve ser ministrada de fato quando a criança já estiver letrada ou sabendo ler e escrever.

Além desses problemas podemos ressaltar que o documento vem reforçar outros já mencionados neste trabalho e antigos, como o Círculo Concêntrico e a separação enfática de sociedade e natureza, ou da Geografia física e humana, como podemos ver a seguir nos PCN (1997, p. 127)

“O estudo da Geografia deve abordar principalmente questões relativas à presença e ao papel da natureza e sua relação com a ação dos indivíduos, dos grupos sociais e, de forma geral, da sociedade na construção do espaço geográfico. Para tanto, a paisagem local e o espaço vivido são as referências para o professor organizar seu trabalho.”

E mais adiante, nos objetivos da Geografia para o primeiro ciclo:

“Reconhecer na paisagem local e no lugar em que se encontram inserida as diferentes manifestações da natureza e a apropriação e transformação dela pela ação de sua coletividade e seu grupo social” (PCN, 1997, p.130).

Desse modo, ao longo do documento esses mesmos problemas são reafirmados sem direcionamentos claros para a sua superação.

Então fica evidente que, de forma direta e indireta, reforçam-se dois problemas que há muito tempo vêem sendo discutidos por estudiosos do ensino da Geografia: a idéia de que o seu ensino tem que partir de uma escala local para, posteriormente, nas séries mais adiantadas, tratar das escala global, sendo que essa concepção vem principalmente das Teorias Piagetianas, defendidas também no âmbito da Educação Moral e Cívica, como já citamos anteriormente. E o outro problema, reforçado muitas vezes durante o texto do documento, é a separação entre a natureza e a sociedade, o que acaba por reforçar a divisão entre Geografia Humana, Física e Econômica.

Considerações finais

A nossa intenção até este momento foi a de refletir a respeito de como as práticas educacionais dos professores das séries iniciais do Ensino Fundamental foram sendo construídas, entendendo que a forma de construção do pensar desses professores em relação ao ensino de Geografia foi e é muito mais complexa do que podemos detectar aparentemente. Essa construção se deu culturalmente, entre outros motivos, pela forma secundária como o ensino sempre foi tratado nas séries iniciais do Ensino Fundamental, em especial devido a medidas educacionais fundadas em políticas momentâneas de cada governo, medidas muitas vezes equivocadas.

Alguns pontos nos encaminham para a melhor compreensão da questão colocada, o primeiro é de que o ensino de Geografia foi implantado oficialmente nas primeiras séries do ensino fundamental muito recentemente e depois substituído pelos Estudos Sociais. Essa fase deixou marcas nas professoras, nas práticas e na forma de pensar a respeito do ensino de Geografia .

Um outro período responsável também pela construção de novas formas de pensar ocorreu na década de 90, com a nova LDB e as reformas educacionais acontecidas nesse decênio, principalmente com os Parâmetros Curriculares Nacionais que, apesar de finalmente colocarem oficialmente a Geografia e a História separadas, reforçaram velhos problemas e criaram novos, como a idéia de que o ensino de Geografia tem como objetivo principal formar para a criticidade e para a cidadania. Desta forma

Tais medidas, atos e situações sintetizadas nesses dois momentos, ou seja, o regime militar e, posteriormente, a redemocratização, nos colocam diante de conjunturas importantes que nos permitem refletir sobre o passado, presente e futuro e dessa forma refletir sobre como foi construído o imaginário existente relacionado ao ensino de Geografia nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental que foi sendo construído, ao longo da história da educação brasileira o que hoje se traduz nas praticas docentes.

REFERÊNCIAS

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[1] Mestranda em Geografia PUC/SP/ valerri_marques@hotmail.com

terça-feira, 23 de novembro de 2010

A relação entre cuidar e educar na Educação Infantil.




O objetivo desse trabalho foi entender se o ato de cuidar estava associado ou dissociado do ato de educar, e, para tal se fez necessário uma busca histórica da concepção de criança. Pois, é sabido que o contexto sócio-histórico em que a criança está inserida é de revelável importância no entendimento sobre a infância e posteriormente o entendimento das relações entre cuidado e educação. O problema em questão é entender qual a relação existente no binômio cuidar-educar e o que este implica para se obter uma qualidade na Educação Infantil, sabendo que nos primeiros anos de vida é de extrema importância o desenvolvimento dos aspectos físico, cognitivo, afetivo e emocional.

Palavras-chave: Cuidar, educar, Educação Infantil e infância.

1.0 Introdução

Esse texto se preocupou em buscar historicamente a concepção de infância para entender melhor a relação entre cuidar e educar na Educação Infantil já que entende-se que este binômio é o cerne da Educação Infantil. Esse artigo é parte de um projeto mais amplo, um projeto monográfico, e que desde já pretende-se contribuir com os estudos na área da Educação Infantil.

Este tema partiu das indagações que fiz ao tentar entender o que seria preciso para desenvolver as capacidades, competências e habilidades das crianças, o que seria preciso para obter uma Educação Infantil de qualidade.

Ao retratar o cuidar na Educação Infantil se fez necessário buscar a trajetória da concepção de infância ao longo da história. Da criança-adulto à criança sujeito social de direitos. A expansão da revolução industrial foi um fator que contribuiu para a conquista da identidade social da criança. No decorrer do processo de evolução histórico da sociedade as concepções de infância foram se transformando. A priori tinha-se um cuidar assistencialista(guarda da criança, voltado apenas para a saúde, alimentação e higiene).

Com o progresso das ciências humanas, principalmente a psicologia do desenvolvimento, a criança passa a ser o epicentro do interesse educativo dos adultos. O cuidar passa gradativamente a adquirir um caráter essencial. Contudo, deve-se ressaltar que esse aspecto assistencialista ainda perdura em algumas instituições de Educação Infantil.

Este artigo foi divido em duas partes a primeira falando da concepção de infância , uma busca histórica, e dentro desta encontra-se uma abordagem sobre a criança sujeito de direitos. A Segunda parte trata da relação entre cuidar e educar, e no interior deste tópico encontra-se uma abordagem sobre os desafios do cuidar na Educação infantil. Segue então as considerações finais, ou seja, algumas conclusões a partir do texto apresentado.

2.0 Histórico da concepção de infância

Entende-se por "criança" um ser humano de pouca idade e no sentido figurado como uma pessoa ingênua ou infantil. Quando nos referimos a um adulto por ser "como criança" tal expressão é tomado como uma ofensa, pois ninguém que ser entendido como um infantil, ou seja, um tolo, uma pessoa sem maturidade.

Percebe-se que a criança se opõe ao adulto no que concerne a falta de idade ou de maturidade. Porém não se pode horizontalizar esse pensamento e arbitrariamente confirmar a existência de uma população infantil homogênea, já que ao fator idade estão associados determinados papéis e desempenhos específicos, dependendo da classe sociala qual a criança está inserida.

É preciso levar em consideração sua participação no processo produtivo, a sua escolarização, o processo de socialização no interior familiar e da comunidade e suas atividades cotidianas, pois estes fatores estão intrinsecamente ligados a posição da criança e de sua família na estrutura sócio-econômica. Sendo assim, é inadequado supor uma homogeneidade infantil quando se pensa numa concepção de criança.

Ao falar de família e de como esta instituição tem uma efetiva participação na identidade da criança, se faz importante buscar historicamente a participação da família e a sua relação com o sentimentoou sentimentos de infância e sua descoberta.

Ariès(1981) em seus estudos sobre a história social da criançae da família, chega a conclusão que até por volta do século XVII a arte medieval desconhecia a infância ou segundo ele não tentava representá-la. O historiador cita alguns exemplos para comprovar essa afirmativa. Um deles é a cena do evangelho em que Jesus pede que deixe vir a ele as criancinhas. A miniatura otoniana[1] do séc. XI é representada com oito homens sem características de crianças em torno de Jesus, o que os distinguedos adultos seria apenas o tamanho.

Outro exemplo seria no evangeliário da Sainte-Chapelle do século XIII, na passagem da multiplicação dos pães, Cristo e um apóstolo ficam ao lado de um homenzinho que bate em sua cintura, certamente, deveria ser a criança que trazia o peixe. Com base nesses exemplos,Ariès(1981: 51) diz que:

No mundo das fórmulas românicas e até o fim do século XIII, não existem crianças caracterizadas por uma expressão particular, e sim homens de tamanho reduzido.

De acordo com estas idéias nota-seque a criança era vista como um adulto em miniatura nesse período, não se percebe uma caracterização do ser infante. A criança-adulto, aquela que assim que atingia certa idade se misturava aos adultos e vivia como tal. Tinha apenas um período que era visto como "criança" de fato, que brincava que era paparicada, era justamente a fase que Ariès(1981) denominou de paparicação[2]. Quando esta morria nesta fase, como muitas vezes ocorria, alguns ficavam entristecidos, mas não faziam muito caso, pois, logo outra criança substituiria. "A criança não chegava a sair de uma espécie de anonimato" Ariès(1981: 10).

Depois que a criança passava pelos obstáculos dos primeiros anos de vida, ou seja, conseguia sobreviver ao tempo da "paparicação", era muito comum que esta criança vivesse em outra casa, não sendo esta a casa de sua família. Acredita-se que por motivo de trabalho.

A partir do fim do século XVII a criança deixa de ser misturada aos adultos e de aprender a vida com o contato direto com eles. O objeto dessa separação entre adulto e criança toma corpo no que chama-se de escola. Esta substituiria a aprendizagem como meio de educação. Ariès(1981: 11) ainda sobre este assunto, comenta que:

Começouentão um longo processo de enclausuramento das crianças(como dos loucos, dos pobres e das prostitutas) que se estenderia até nossos dias, e ao qual se dá o nome de escolarização.

Em concordância com as idéias de Ariès, entenda-se por este processo, como o causador da moralização da criança com ajuda da igreja e da família. Começa-se então uma espécie de confinamento das crianças nas instituições escolares. A educação passa a ter uma notável importância.

A famíliapassa a se preocupar com a educação dos seus filhos, com os seus estudos e os acompanhavam com um certo interesse nos séculos XIX e XX e um outro sentimento nasce: a preocupação com o filho, a criança.A família passa a se preocuparem cuidar e educar suas crianças. O que pode se perceber até aqui é que a civilização medieval não tinha idéia da educação, mas hoje nossa sociedade e sabe que seu sucesso depende também, muitas vezes,de uma boa educação. Ariès(1981: 12) a esse respeito fala que:

A família começou então a se organizar em torno da criança ea lhe dar uma tal importância, que a criança saia do seu antigo anonimato, que se tornou impossível perdê-la ou substituí-la sem enorme dor, que ela não pôde mais ser reproduzida muitas vezes e que se tornou necessário limitar seu número para melhor cuidar dela.

Nota-se uma preocupação com o "cuidar das crianças", mais precisamente com a articulação do que pode vir a ser cuidar e educar. Já que, a família começou a preocupar-se em reduzir o número de crianças para lhe oferecer melhor assistência, maior atenção, ou seja, uma melhor educação. A família começa a conceber a criança como criança ecomo disse Rousseau(1712-1778)em sua obra Emílio "A natureza quer que as crianças sejam crianças antes de serem homens". E sendo a família o local de "dominação" das crianças, esta é a formadora da nossa primeira identidade social.

Talcott Parsons citado por Reis(1984: 100) diz que: "A família teria por função desenvolver a socialização básica numa sociedade que tem sua essência no conjunto de valores e de papéis." Entende-se que a família seria, então, a principal arkhé[3] formadora do cidadão. Daí porque a concepção de criança está enraizada com a forma de organização das famílias que antes entendia a criança como um adulto em potencial e com a industrialização, houve umanecessidade de se ter um lugar para guarda[4] as crianças enquanto seus pais estavam na jornada de trabalho, mais tarde evoluiria e passamos achamar de pré-escola este local de "depósito".

A criança passa a ser o centro das atenções dos adultos e também o centro dos interesses, pois é empregada nas crianças a esperança de um futuro melhor para a família, financeiramente falando. Na contemporaneidade, ao nascer uma criança principalmente com elevado nível social, os pais, em sua maioria, já fala em profissões para os pequenos: "Ah! Esse será um médico de sucesso", tá certo que pensando no bemdas suas "crias", mas claro que nas entrelinhas sabe-se que o objetivo é a continuação de um elevado nível social e porque não de dominação. Sabendo-se é claro que ninguém vai querer regredir e pensar: "Ah! quero que meu filho seja um mártir e morra de fome pelos pobres, fracos e oprimidos".

A intenção aqui é deixar claro que a criança depois de passar por um longo processo de anonimato vai conquistando à duras penas um lugar de importância no seio da família, um espaço de esperança, melhoria de vida, vão sendo conquistados direitos por pessoas, instituições e organizações sensíveis a sua causa, que vêem a criança como uma pessoa peculiar, ou seja, um sujeito social de direitos.

2.1 A criança como sujeito social de direitos

O desenvolvimento das ciências humanas, principalmente a psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem, da psicanálise do desenvolvimento e da biologia, trouxeram novas luzes sobre a criança e a influência de seus primeiros anos em seu desenvolvimento posterior a pré-escola com a proposta na visão psicológica de atender a criança de tenra idade, antes de seu ingresso formal na escola.

Estes fatores provocaram na sociedade uma consciência da importância das experiências da primeira infância, o que motiva demandas por uma Educação Institucional para a criança de zero a seis anos.

No Brasil, a constituinte que culminou com a promulgação da carta magna de 1988, representoumomento de grande participação da sociedade civil e de organismos governamentais na afirmação dos direitos das crianças, e entre eles, o direito à Educação Infantil, incluído no Inciso IV do artigo 208 da Constituição Federal do Brasil(1988), o qual explicita que: "O dever do Estado com a Educação será efetivado(...)mediante garantia de atendimento em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos". Este direito é reafirmado no ECA[5], em seu artigo 53.

A criança é vista com sujeito de direito social. A criança não é apenas uma promessa de futuro, tem-se que pensar na criança no presente, na sua condição de criança, pois estas são peças fundamentais no processo de troca, interação e transformação da sociedade, são atores sociais. A infância é fruto da construção histórico, social e cultural das sociedades e de um determinado tempo e lugar. A criança como ser social de direitos recebe a garantia de um desenvolvimento integral assegurado por lei.

A Educação é um direito e não mais um "artifício" para atender as necessidades dos pais. Um marco também de grande significação para a Educação Infantil é a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, sancionada em dezembro de 1996. É a primeira vez que a expressão "Educação Infantil" aparece numa lei nacional de educação. Recebe um destaque inexistente nas legislações anteriores, sendo tratadas em uma seção específica. É definida como primeira etapa da educação básica, tendo como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade.

Esta visão de escolarização da criança pequena, a qual passa a fazer parte da primeira etapa do ensino básico, vai gradativamente apagando a terminologia pré-escolar, pois esta denominação é considerada como fase anterior a escolarização propriamente dita, que é a 1ª série, abominando assim a relevância da educação de 0 a 6 anos. Com a LDB(9394/96), a criança tem direito a uma educação de base e não mais a uma prévia escolarização, como antes era denominado depré-escola, o termo "Educação Infantil" aparece denotando a importância desta fase.

A importância da Educação na vida de qualquer ser humano é incontestável, apesar da Educação Infantil ser o pontapé inicial para este tipo de educação formal, vale ressaltar o papelda família neste processo.

Betty M. Caldwell(1975), faz uma reflexão a respeito da importância da família, ela entende que o ambiente ideal da aprendizagem para a criança pequena é aquele, no qual a criança pequena é criada: a sua própria casa; no contexto de uma relação emocional afetuosa e nutriente, com sua mãe e também sob condições de estimulação sensorial e cognitiva variada.

Assim como Caldwell e também João Henrique Pestalozzi(1746-1827) defende-se aqui a idéia de que a criança começa sua aprendizagem desde o nascimento, a infância não é um mero período latente de esperar para ficar adulto. Pestalozzi acreditava que só através da educação os pobres poderiam modificar sua condição de miséria. Ele indicava o estudo da criança como caminho para melhor dirigir os incentivos ao seu crescimento.

Portanto, quando nasce um bebê, não se troca sua fralda, alimenta e educa fazendo um favor a este novo ser, mas estamos fazendo o que lhe é de direito, pois este não conhece ainda seus direitos e tão pouco pode brigar pelos mesmos. A criança não pede para nascer e se veio ao mundo, assim como todo cidadão, deve ter garantido seus direitos e deveres, e um deste direitos é que na sua fase inicial na escola goze de uma boa educação, o que implica intrinsecamente em cuidados essenciais.

3.0 A relação entre cuidar e educar: assistência ou essência?

Conforme o dicionário[6] o termo "cuidar" significa: imaginar, meditar, julgar, supor, tratar, Ter desvelo por. Fazer os preparativos. Acautelar-se, assistir, Ter cuidado: cuidar das crianças. Empregar a atenção. Ter cuidado consigo mesmo, tratar-se( da saúde, etc.). Este seria o conceito de cuidar isoladamente, mas o que seria o cuidar na Educação Infantil?

A princípio faz-se necessário definir o que seria "educar". De acordo com as idéias contidas no Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil(1998), o educar significa:

Propiciar situações de cuidado, brincadeira e aprendizagens orientadas, de forma que possa contribuir para o desenvolvimento das capacidades infantis de relação interpessoal de ser e estar com os outros em uma atitude básica de aceitação, respeito e confiança e o acesso pela criança aos conhecimentos mais amplos da realidade social e cultural.

Denota-se ai dentro do que seria educar, uma propensão ao cuidar. Percebe-se desde já que entre esses dois termos existe uma relação. A luz do R.C.N o cuidar aparece totalmente imbricado no educar, deixando claro que o cuidar na Educação Infantil deve ser realizado de forma que ajude no desenvolvimento integral da criança auxiliando assim na construção de sua autonomia.

Todavia, o R.C.N não apresenta pesquisas com experiências que confirmem as idéias apresentadas. O Referencial curricular Nacional para a Educação Infantil é um documento produzido por um organismo público, entretanto, a maioria das instituições escolares da rede pública não correspondem, muitas vezes, com as indicações referidas por esse documento.

Voltando um pouco para o período industrial, neste tinha-se a necessidade de guardar a criança enquanto seus pais estavam trabalhando. As crianças eram assistidas, ou seja, cuidadas de forma assistencialista, sem nenhuma proposta pedagógica. Então, pode-se tirar aqui uma definição para o cuidar assistencialista que seria diferente do cuidar essencial, já que o primeiro só preocupa-se com alimentação, higiene e saúde da criança, não integrando essas ações ao ato de educar.

Segundo Campos(1994) todas as atividades ligadas à proteção e apoio necessários ao cotidiano de qualquer criança: alimentar, lavar, trocar, curar, proteger, consolar, enfim cuidar, todas fazem parte integrante do que se entende por educar. Além do caráter assistencialista o cuidar compreende também o caráter instrucional, educar e cuidar.

Defende-se aqui a idéia de que cuidar é uma espécie de subconjunto[7] do educar, ou seja, o educar abarca o cuidar de forma que os cuidados físicos, emocionais, sociais, cognitivos se façam presentes no âmago do educar, sendo assim o cuidar na Educação Infantil está entrelaçado com o educar.

Nota-se que toda forma de educação implica em um cuidado e ao cuidar o professor também está educando, ressaltando que educar vai além de cuidar. Por exemplo, o profissional da Educação infantil quando prepara a aula que dará noção de direção para as crianças, ou seja, longe e perto, direita e esquerda, a criança ao mesmo tempo em que está construindo conceitos de direção, o professor também automaticamente cuidará do aspecto psicomotor.

O cuidar é algo dinâmico, instantâneo, mas não significa dizer que o educar não esteja presente nesse momento. Porém o educar é mais profundo é mais abrangente, é um processo. Ao educar o professor despertará o sujeito a buscar entender certas indagações(porquê? Como? Para quê?) possibilitando assim que este sujeito reflita e construa conhecimentos que vai além do ato de educar. Ressaltando que este "cuidar" apesar de dinâmico não implica em dizer que a criança aprende instantaneamente também tais conhecimentos.

Ao tratar da ação instantânea do cuidar, pretendia-se mensurar esta questão, penando que estas relações acontecem dentro de um determinado tempo. Assim sendo caracteriza-se o ato de cuidar como essencial, e não desvincula do ato de educar, mas salientando que é um processo que requer mais elaboração, planejamento etc. Portanto, o ato de educar a criança está inegavelmente integrado ao ato de cuidá-la.

O problema da separação entre cuidado e educação é uma decorrência da tentativa de superação do caráter assistencial substituindo-o pelo caráter pedagógico. Para confirmar este pensamento, Weis (1999: 108) diz que:

O cuidado na Educação Infantil é uma ação cidadã, onde educadores pessoas consciente dos direitos das crianças, empenham em contribuir favoravelmente ao crescimento e desenvolvimento das crianças. O cuidar é visto aqui como uma prática pedagógica e como forma de mediação, que se constitui pela interação através da dialogicidade e quer possibilitar à criança leituras da realidade e apropriação de conhecimentos.

Portanto, na Educação Infantil, o ato de cuidar e educar são indissociáveis, não tem como separar essas duas ações. O cuidar e o educar estão nas coisas mais simples da rotina pedagógica da Educação Infantil; desde a hora em que se está trocando uma frauda, alimentando a criança, no momento da higiene, todos esses aspectos que parecem ser simplesmente "cuidados", eles também podem e devem ser trabalhados dentro do aspecto educativo. Quando realizamos estas atividade é preciso conversar com a criança a respeito da necessidade daquele procedimento e já incentivando que ela tente fazer sozinha, para assim contribuir para a independência da criança.

3.1 Os desafios do cuidar na Educação Infantil

Os desafios do ato de cuidar na Educação Infantil, como já se sabe, tem uma forte relação com o ato de educar. Para vencer estes desafios se faz necessário um profissional que possua um perfil polivalente, ou seja, um educador que trabalhe com conteúdos de naturezas diversas, abrangendo desde cuidados básicos e essenciais até conhecimentos específicos provenientes das diversas áreas do conhecimento.

Nos primeiros anos de vida de uma criança é de extrema importância que o professor propicie o desenvolvimento dos aspectos cognitivo, físico, afetivo e emocional. Para tanto não poderá desvincular-se da questão do espaço, tempo, segurança e das brincadeiras, que consequentemente influenciará no desenvolvimento integral da criança. Estes aspectos são a base para a estruturação da personalidade e construção da identidade do sujeito. Será destacado aqui, brevemente, esses aspectos.

3.1.1 O cuidar e o aspecto cognitivo na Educação Infantil

O professor enquanto mediador deve estimular a capacidade intelectual da criança. É grande a responsabilidade desse profissional, pois terá o papel de provocar à criança para que no cotidiano escolar esta possa desenvolver o raciocínio, a criatividade e aumente sua capacidade de imaginação. Utilizar recursos como jogos, histórias, e usufruir das várias linguagens existentes como: arte, teatro, música, dança, dentre outras, torna-se imprescindível como instrumentos didáticos para atingir uma melhor qualidade de ensino.

3.1.2 O cuidar e o aspecto físico e afetivo na Educação Infantil

Para promover o desenvolvimento físico da criança o ideal é que se faça coadunado com os cuidados afetivos. Defende-se aqui que o cuidar é preocupar-se , doar-se e querer bem ao outro. Por isso nessa relação de cuidado, adulto e criança nas situações de conversa, brincadeira ou de aprendizagem orientada, devem interagir, comunicar-se e expressar-se, demonstrando seus modos de agir e sentir, estabelecendo assim um vínculo afetivo.

Este processo, certamente desenvolverá benefícios perante o aspecto emocional, tanto para a criança quanto para o adulto. Porém atingirá com grnde relevância o plano emocional da criança, o qual deve ser tratado com atenção privilegiada.

3.1.3 O cuidar e o aspecto emocional na Educação infantil

O aspecto emocional funciona como instrumento que dá suporte ao progresso nos diferentes âmbitos do desenvolvimento infantil. Tudo na Educação infantil é influenciado pelos aspectos emocionais: desde o desenvolvimento psicomotor, até o intelectual, o social e o cultural.

A descoberta e a observação são capacidades que auxiliam as crianças a construir um processo de diferenciação dos outros e consequentemente sua identidade. Dessa forma, a conduta do professor pode suscitar prejuízos de longa duração na vida da criança. A medida que o profissional de Educação Infantil lida com a criança designando determinadas rotulações pode, nesse momento, construir uma identidade negativa, já que o indivíduo costuma ser como o outro o vê.

3.1.4 O cuidar e as brincadeiras na Educação infantil

De acordo com as idéias de Frabboni(1998) os jogos constituem a ocasião própria para a socialização e a aprendizagem. Aquela idéia de aprender brincando e brincando de aprender, remete ao princípio de que brincar é fundamental na educação infantil. "O professor ajuda a estruturar o campo das brincadeiras na vida das crianças. Ele organiza sua base estrutural, ajeitando brinquedos, objetos, fantasia, delimitando os espaços e o tempo para brincar" (RCN,1998).

Froebel(1782-1852) o idealizador do jardim de infância, pregava uma pedagogia da ação, e mais particularmente do jogo. Ele dizia que a criança não deveria apenas olhar e escutar, mas agir e produzir.

Considerações finais

Considera-se aqui a criança como um ser diferente do adulto, diferenciando-se deste na idade e na maturidade. Fora estes fatores o limite entre criança e adulto é complexo, pois este limite está associado à cultura, ao momento histórico e aos papéis determinados pela sociedade. Estes papéis dependem da classe social e econômica em que está inserida a criança e sua família.

A valorização e sentimentos atribuídos a infância nem sempre existiram de forma como hoje são concebidas, as mudanças econômicas e políticas da estrutura social tem grande influência e participação na modificação desses sentimentos.

Conclui-se aqui que para uma Educação infantil de qualidade, é de extrema importância que cuidar e educar estejam imbricados. Para que o indivíduo seja educado ele precisa passar por cuidados essenciais (cognitivo, afetivo, emocional, físico e social), que compreendam o desenvolvimento integral da criança, sem os quais seu crescimento estaria comprometido. Não apenas assistência, como a concepção assistencial da educação da criança, mas como essencial, implicando nos cuidados citados acima.

Sendo assim, confirmou-se nesse artigo que cuidar-educar não se separa, a visão de higiene, alimentação e saúde é uma visão limitada do cuidar. Acredita-se que cuidar é ter responsabilidade e ajudar na promoção de capacidades. Concebe-se aqui que é necessário cuidar para educar.

Este trabalho foi significativo para entender que o cuidar é a base de todas as relações existentes na educação. Assim sendo, é um tema abrangente e novo no que concerne a literatura sobre o assunto, logo requer mais pesquisas e estudos que venham a suscitar novas discussões.

Sente-se a necessidade de ir a campo para assim realizar um estudo mais profunda e ao mesmotempo prático desta relação entre cuidar e educar, a fim de pesquisar como este binômio interfere na qualidade da Educação infantil.

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________________________

[1] Evangeliário de Oto III, Munique.

[2] Denominação dada por Ariès aos primeiros anos de vida da criança, em que esta brincava e era paparicada, ou seja, faziam-se mimos tinham um cuidado maior.

[3] Termo de origem grega. Significa princípio,base, origem.

[4] Termo usado no sentido de; tomar conta, depósito, asilo.

[5] ECA- Estatuto da Criança e do Adolescente, publicado em 13 de julho de 1990.

[6]Dicionário brasileiro GLOBO,publicado em 1991.

[7] Significa que o cuidar está inserido no educar.


A Relação Entre Cuidar e Educar na Educação Infantil publicado 13/07/2009 por Glaucia Moura em http://www.webartigos.com



Fonte: http://www.webartigos.com/articles/21390/1/A-Relacao-Entre-Cuidar-e-Educar-na-Educacao-Infantil/pagina1.html#ixzz168u0mhff