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terça-feira, 30 de novembro de 2010

'O ENSINO DE HISTÓRIA, NEOLIBERALISMO E CIDADANIA'


"O ENSINO DE HISTÓRIA, NEOLIBERALISMO E CIDADANIA"

"THE THEACHING'S HISTORY , NEOLIBERALISM AND CITZENSHIPS "

BENSI, R.F.

SALVUCCI, M

BENSI, R, F. graduando em História pela PUC-Campinas. Estagiário do Arquivo Central do Sistema de Arquivos da Unicamp (SIARQ). rafa_sabbath@hotmail.com

SALVUCCI, M. Cientista Social – UNICAMP , Mestre em Educação, profª dos Cursos de História e Geografia da Puc-Campinas. salvucci@terra.com.br

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo levantar questões acerca do Ensino de História na formação dos alunos e alunas do Brasil tendo em vista a criação dos novos Parâmetros Curriculares Nacionais após a inserção do país no chamado neoliberalismo, além de analisar as condições encontradas para a execução desse ensino em vários aspectos da sociedade, tendo como pano de fundo a questão da cultura de massas no Brasil.

Palavras-chave: Educação, Alienação, Cidadania.

ABSTRACT

This article has as objective raise questions about the role of the school in the training of students in Brazil and the creation of new National Curriculum Parameters after the insertion of the country in the so called neoliberalism, in addition to analyze the conditions found for the implementation of this material in several aspects of the Brazilian society.

Key-words: Education, Alienation, Citzenships.

INTRODUÇÃO

Muito se fala sobre qual o verdadeiro papel da escola na vida dos adolescestes brasileiros na atualidade, tendo em vista principalmente, a ascensão da tecnologia e a melhoria de qualidade de vida no país decorrente de uma estabilidade econômica conquistada nos últimos anos.

A educação pública no Brasil, em detrimento da economia, vive uma instabilidade produzida principalmente pelos questionamentos propostos pelo neoliberalismo para transformar a educação brasileira em um ensino de qualidade. Mas qual realmente é o papel da escola nos dias atuais? Quais são as alternativas para lidar com uma juventude que possui especificidades vindas de uma sociedade consumista?

Dentro desta conjuntura é necessário que entendamos o que é o neoliberalismo e o que suas mudanças políticas e econômicas resultaram na sociedade brasileira.

"O Neoliberalismo é um projeto sério e racional, uma doutrina coerente e uma teoria vinculada e reforçada por certos processos históricos de transformação do capitalismo. É uma doutrina, pelo menos de fato, conectada com uma nova dinâmica tanto tecnológica e gerencial quanto financeira dos mercados e da competição."[1] Nessa conjuntura, o neoliberalismo prega o Estado mínimo, que é o repasse de fatias públicas para as grandes corporações, retirando assim, a responsabilidade do governo de administrar tais órgãos, repassando-os para o setor privado.

Entender todo esse processo de implantação das políticas neoliberais no Brasil se torna fundamental para que possamos visualizar suas influências.

O neoliberalismo gerou novas demandas e uma delas afeta claramente a educação no Brasil, afinal o projeto neoliberal a nível mundial teve suas exigências no que tange ao preparo dos alunos da escola básica, para o mercado de trabalho.

Os jovens brasileiros nos dias atuais sofrem por vários motivos um esvaziamento de suas responsabilidades enquanto alunos e alunas e principalmente como aprendizes, pois desde o seio da família até as salas de aula, são vários os problemas que podem ser enumerados, visto que o Brasil não tem apresentando bons resultados no que tange a qualidade da educação.

É fundamental que analisemos com rigor os novos rumos projetados pelos currículos para discernir o que está em processo de mudança e como de fato alunos e alunas, que freqüentam nossas escolas a assimilam (interiorização, aquisição) e se aproximam do objeto do conhecimento. Os currículos escolares no Brasil têm sido alvo de muitas análises, porém, às propostas mais recentes, tem procurado se preocupar definitivamente na relação entre ensino e aprendizagem e não mais apenas na questão do ensino, como anteriormente. As reflexões fomentaram discussões que vieram a fornecer novas bases e um novo suporte para a elaboração de grande parte dos atuais currículos formais e normativos criados pelo Estado.

No Brasil durante a década de 80, os responsáveis pela educação estavam preocupados, porém, divididos com a reformulação curricular, com isso trouxeram avanços para o estabelecimento de novos critérios de seleção de conteúdos, resultando em uma concepção mais complexa, ao envolver a relação ensino e aprendizagem.

As propostas de renovação dos métodos de ensino pelos atuais currículos, passeiam por questões que considero importantes, principalmente no que tange a ênfase em competências e habilidades, metodologia de projetos de aprendizagem, temas transversais, contextualização e etc. Porém, a principal preocupação não se cristaliza naquilo em que os PCN´s trouxeram de novo, mas sim, naquilo em que fora conservado e nas formas com que se pretende avaliar o aprendizado desses alunos e alunas, inclusive o professor e a professora.

Os PCN´s vieram configurados como uma relação de conteúdos considerados válidos e necessários na busca por uma homogeneização do ensino no Brasil. A operacionalização e o cumprimento desse currículo cabe ao professor que manterá sua autonomia como produtor e transmissor de conhecimento, porém, o aprendizado dos alunos será sempre acompanhado por meio da avaliação nacional e, conseqüentemente o trabalho do professor também o será. Avaliação essa que prioriza competências e habilidades, que atende ao mundo do trabalho no sistema capitalista.

A proposta dos PCN`s é que o ensino não tenha como meta o mero acúmulo de informações, mas que trabalhe a formação integral do aluno e aluna, enquanto cidadão e cidadã, com uma visão crítica da sociedade em que vive, possibilitando-lhe o desenvolvimento de valores éticos de solidariedade, cooperação, valorização da pluralidade cultural e o respeito ao meio ambiente. Posto isso, é necessário dizer, que ao repensar o ensino no Brasil, não podemos simplesmente enxergar o aluno como mero receptor de um conhecimento pré-estabelecido, mas sim como agente atuante na formulação de seu próprio conhecimento.O ensino não deve se pautar somente em desenvolver competências e habilidades, visando à inserção do público alvo numa sociedade competitiva. Nesta realidade, o papel do professor e professora torna-se primordial, pois ambos vão elencar e transferir conhecimentos que possibilitem as esses alunos e alunas – independente de classe social – a se tornarem cidadãos e cidadãs preparados ética e moralmente para enfrentar a atualidade e o mundo do trabalho.

Pois bem, dentro desta conjuntura, é necessário que atentemos para a questão primordial que vem de dentro das instituições, pois o cotidiano das escolas vive uma lógica não percebida pelos formuladores dos PCN´s, devido à falta muitas vezes de um maior contato com a realidade, os impede de enxergar as reais necessidades do ensino no Brasil.

Segundo a revista VEJA de 20 de agosto de 2008, a pesquisa CNT/Sensus mostrou que 56% dos pais de alunos do Brasil esperam que a escola "ensine as matérias" e dê "formação profissional" a seus filhos ao invés de ajudar na formação do cidadão para viver em sociedade. Vale lembrar, que em uma sociedade pouco letrada, onde as pessoas não se reconhecem como "agentes" no processo histórico do país, outra resposta à pesquisa se torna difícil, principalmente por que vivemos numa sociedade onde a lógica de mercado está em primeiro lugar.

Em uma sociedade que perdeu a referência histórica e que pouco dialoga com o passado, fica difícil conceber possibilidades de um ensino voltado para constituição de uma sociedade mais justa, onde os valores morais, éticos e solidários deveriam estar acima da competitividade. Nesse sentido Frei Beto (2008) nos dá uma contribuição importante no que concerne ao papel da televisão e dos meios de comunicação atuais no processo de alienação das pessoas em nosso país, alertando para a questão da subjetividade que é uma "dimensão essencial" do ser humano.

Segundo teóricos da escola de Frankfurt, a indústria cultural, promove lazer e bem estar, diferentemente do papel da escola, sendo assim há uma disputa entre o papel da escola e dos meios de comunicação de massa.

Cidadania e Educação

Existe nos dias atuais uma tensão entre o conteúdo predominante nas emissoras e o propósito educativo. As emissoras de TV no Brasil, pouco se preocupam com a formação dos cidadãos, porém trabalham incessantemente para a formação de consumidores. Diante dessa dicotomia, estão os educadores e a família.

A televisão aberta no Brasil trabalha como uma força contrária à educação, pois seu conteúdo é hegemonicamente voltado para o fortalecimento do mercado, não se importando se sua prioridade voltada para o consumismo, fere ou não valores e parâmetros éticos que a escola através da educação tenta incutir nos alunos e alunas.

Dentro dessa conjuntura, existe um grande desafio da educação no Brasil, pois a televisão não visa transmitir cultura – afinal ela cria discernimento crítico – mas sim em levar as pessoas à alienação.

A substituição da importância da escola na vida das pessoas se dá naturalmente em nossa sociedade neoliberal, pois a chamada "cultura de massas" acaba preenchendo o vazio cultural na vida das pessoas, fazendo com que elas percam o contato muitas vezes com o real.

A "cultura de massas" disseminada pelos meios de comunicação acaba criando nas pessoas o sentimento de pertencimento na sociedade, mascarando a realidade social em que precariamente vivem milhões de brasileiros. É justamente nesse sentido em que a propaganda neoliberal acaba sendo assimilada pelas pessoas, impedindo-as de refletir sobre sua situação como classe social.

Nesse aspecto a educação no Brasil vem travando uma luta contra essa influência negativa e vem sendo tratada pelos governos como sendo parte de uma reestruturação social no país. Em relação ao ensino de História, a redefinição do papel do professor a partir dos anos 80, fora uma das mudanças mais aparentes na questão do trabalho pedagógico, pois conferiu aos educadores e educadoras mais autonomia no trabalho, não os deixando sumariamente presos a um rol de conteúdos. "O objetivo era recuperar o aluno como sujeito produtor da História, e não como mero espectador de uma história já determinada, produzida pelos heróicos personagens dos livros didáticos".[2]

Advindo os anos 90, o ensino de História tem novos paradigmas teóricos que são propostos e incorporados às produções historiográficas, respondendo assim, aos temas mais significativos da sociedade.

Para a historiadora e pesquisadora Circe Bitencourt "um dos objetivos centrais do ensino de história na atualidade, relaciona-se à sua contribuição na constituição de identidades. A identidade nacional, nessa perspectiva, é uma das identidades a ser constituída pela história escolar, mas por outro lado, enfrenta o desafio de ser entendida em suas relações com o local e o mundial"[3], portanto, a constituição das identidades está totalmente relacionada com a questão da cidadania, que é um problema essencial na atualidade brasileira. Nesse aspecto, fundamentalmente, é que se encontra nos PCN's a afirmação de que a História deve contribuir para a formação do "cidadão e cidadã críticos" mostrando a importância política da disciplina. Nesses aspectos discutidos e tendo como fundamento todo o debate teórico intrínseco nos PCN's, é que devemos repensar a questão de como os professores e professoras irão trabalhar com esse material, principalmente, pelo fato de quê muitas vezes a realidade encontrada nas escolas dificulta-lhes muito o trabalho.

"As mudanças curriculares devem atender a uma articulação entre fundamentos conceituais históricos, provenientes da ciência de referência, e as transformações pelas quais a sociedade tem passado em especial as que se referem às novas gerações. Diversidade cultural, problemas de identidade social e questões sobre as formas de apreensão e domínio das informações impostas pelos jovens formados pela mídia, com novas perspectivas e formas de comunicação, têm provocado mudanças no ato de conhecer e aprender o social " (Bittencourt, 1992: 135)

A proposta do PCN's acabou por deixar de lado algumas questões de ordem primordial na questão da prática, pois faltou uma abordagem mais incisiva sobre a realidade das escolas, dos professores e das professoras que colocam em prática cotidianamente, as teorias de ensino referentes aos conteúdos propostos nos Parâmetros Curriculares, principalmente no que refere-se à questão de infra-estrutura e no perfil psicológico dos próprios alunos e alunas que serão responsáveis por disseminar estes conhecimentos no decorrer da vida escolar[4].

Trabalhar fundamentalmente com base na experiência do aluno e aluna, valorizar o conhecimento espontâneo, sem ser espontaneista, isto é, considerar-se-á a importância de relacionar os acontecimentos históricos cotidianos, vinculando-os com o conhecimento da História Contemporânea, elaborada e sistematizada. Não deixar de trabalhar com cronologia, mas, inseri-la gradativamente de acordo com os conteúdos estudados, principalmente no que refere-se à inter-relação com os acontecimentos cotidianos e experiências pessoais do alunado.

Considerações Finais

Dentro dessa discussão posiciono-me de forma favorável ao dever da escola e principalmente, do ensino de História em dar sua contribuição para a formação de pessoas que realmente venham a se tornar agentes históricos, cidadãos (ao longo da história o conceito de cidadania foi ampliado, passando a englobar um conjunto de valores sociais que determinam o conjunto de deveres e direitos de um cidadão), e não apenas reprodutores de uma realidade vigente, mas, transformadores desta mesma realidade. O ensinar História é exclusivamente trabalhar com a cidadania em diferentes tempos e espaço. Ensinar alunos e alunas a pensar criticamente, questionando a cultura de massas que lhes é transmitida gratuitamente, é um dever da escola enquanto instituição de ensino, portanto a formação ética, moral e de consciência política, vem à frente de uma formação unicamente técnica. É nesse sentido que o ensino de História torna-se fundamental, pois é dialogando com o passado que entendemos melhor nossa própria realidade atual.

Dentro desta conjuntura as contribuições exclusivas do ensino de História, na formação da cidadania, ultrapassam a questão cívica e de valorização de heróis fabricados. A História ensina a conhecer, entender e pensar o presente com olhos no passado, afinal, entender as transformações ocorridas tanto no campo estrutural como no campo das ideologias é fundamental para a consolidação de uma sociedade mais justa.

Uma proposta pedagógica para o ensino de História que não se prenda apenas aos fatos, e que tenha como objeto principal o estudo dos conceitos, certamente, proporcionaria novas possibilidades, além de um processo de evolução no ensino e aprendizagem dos alunos e alunas no ensino básico, afinal, através de uma visão crítica dos conceitos presentes na experiência pessoal de cada um, nasce uma maior compreensão da própria realidade. Cabe ao professor e professora de História, resgatar estas experiências, dar-lhes sentido concreto e, possibilitar a apropriação, tanto por parte de alunos e alunas, possibilitando-lhes a compreensão de tais conceitos para a vida e, não simplesmente para preparar alunos e alunas para ingressarem nas Faculdades. Ensinar História é trabalhar com identidades, com cultura e, por que não com a formação dos cidadãos e cidadãs que exercem papeis distintos na vida e na sociedade brasileira. Portanto, é indispensável o empenho de todos na formulação de uma nova educação no Brasil. Uma educação que contemple todas as áreas do conhecimento e não apenas o setor técnico que é a única preocupação da sociedade neoliberal.

REFERÊCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BETTO, Frei, DE MASI, Domenico. Diálogos Criativos. São Paulo: Sextante, 2008

BITENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: Fundamentos e métodos.São Paulo: Cortez, 2004.

________________________________. Os confrontos de uma disciplina escolar: da História sagrada à História profana. IN: Revista Brasileira de História. São Paulo: ANPUH. V. 13; n. 25/26; set. 1992/ago. 1993

GERALDI, C. M. G. A Cartilha Caminho Suave não morreu: MEC lança sua edição revista e adaptada aos moldes neoliberais. In: Esteban. (Org.). Avaliação: uma prática em busca de novos sentidos. Rio de Janeiro: R. P. & A Editora, 1999

NEVES, Lúcia Maria Wanderley. Ensino Médio, Ensino Técnico e Educação profissional: Delimitando Campos. In: Educação e Política no limiar do século XXI. Campinas, SP: Autores Associados, 2000.

IOSCHPE, Gustavo.A neutralidade como dever. Veja, São Paulo, p. 86, 20 Ago. 2008

SCHIMIDT, M. A & CAINELLI, M. Ensinar História. São Paulo: Scipione, 2004 ( Pensamento e Ação no Magistério).

THERBORN, Goran. A História não terminou. In: As políticas sociais e o estado democrático. SADER, Emir e GENTILI, Pablo (orgs.) Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995

WEINBERG, Mônica, PEREIRA, Camila. Prontos para o século XIX. Veja, São Paulo, p. 76, 20 Ago. 2008.


[1] THERBORN, Goran. A História não terminou. In: As políticas sociais e o estado democrático. SADER, Emir e GENTILI, Pablo (orgs.) Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995, pág. 182

[2] SCHIMIDT, M. A & CAINELLI, M. Ensinar História. São Paulo: Scipione, 2004 ( Pensamento e Ação no Magistério).

[3] BITENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: Fundamentos e métodos.São Paulo: Cortez, 2004, p. 121

[4] GERALDI, C. M. G. . A Cartilha Caminho Suave não morreu: MEC lança sua edição revista e adaptada aos moldes neoliberais. In: Esteban. (Org.). Avaliação: uma prática em busca de novos sentidos. Rio de Janeiro: R. P. & A Editora, 1999, v., p. 101-128.

Ao usar este artigo, mantenha os links e faça referência ao autor:
O Ensino de História publicado 18/11/2008 por Rafael Bensi em http://www.webartigos.com

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Fonte: http://www.webartigos.com/articles/11470/1/O-Ensino-de-Historia/pagina1.html#ixzz16o7BFqvt

História da Educação Infantil no Brasil

domingo, 28 de novembro de 2010

Trabalhando com Alunos: Subsídios e Sugestões


O desafio de ensinar a aprender para continuar aprendendo


Uma experiência com um grupo de EJA mostra algumas das condições fundamentais para ensinar o aluno a aprender, ajudá-lo a tomar consciência do que sabe e a continuar aprendendo pela vida afora.

Este artigo tem a intenção de evidenciar a importância de se pensar na educação de adultos, partindo da premissa de que o ensino da leitura e da escrita deve contribuir para que eles possam aprender para continuar aprendendo fora da escola. O exemplo de um Projeto realizado com alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) em Jundiaí (SP), no ensino fundamental e médio (modalidade semipresencial), no qual uma das autoras realiza a formação dos professores, contribuirá para tratarmos do tema em questão.

Durante um longo tempo em nosso país, acreditou-se que seria suficiente ensinar aos alunos as letras, as sílabas, as palavras, a escrita com letra cursiva e que depois, sozinhos, eles teriam condições de ler e escrever todos os gêneros textuais e, assim, continuar aprendendo dentro e fora da escola. Podemos verificar o fracasso dessa concepção não só na quantidade de não-alfabetizados, com na de analfabetos funcionais (adultos que dominam o sistema de escrita, mas que não conseguem utilizar a leitura e a escrita com sua real função de uso) que o sistema gerou, mas também naqueles que teoricamente não fracassaram, já que conseguiram continuar estudando. Muitas vezes, mesmo freqüentando faculdades ou centros universitários e embora tenham passado no mínimo 11 anos nas escolas de ensino fundamental e médio, esses alunos apresentam dificuldades básicas em relação à leitura e à escrita de textos.

Hoje, sabemos que o ensino da leitura e da escrita dos diferentes gêneros textuais deve ocorrer concomitantemente ao ensino do sistema de escrita, pois este último materializa-se nos gêneros. Por isso, torna-se evidente a importância de pensar na educação de um modo geral, e na de adultos em particular, postulando que o ensino da leitura e da escrita para aprender a aprender não se reduza aos manuais escolares e contemple textos que envolvam processos argumentativos, explicativos e expositivos, os quais têm a função predominante de informar e que aqui chamaremos de informativos-científicos. Para a nossa discussão, também incluiremos textos jornalísticos (notícia, reportagem, artigo de opinião e entrevistas). É importante ressaltar que não descartaremos a relevância e outros gêneros textuais, como contos, poemas, provérbios, receitas, manuais de instrução, etc., para aprendizagem da leitura e da escrita com autonomia. Contudo, nosso objetivo principal é abordar a leitura e a escrita para aprender a estudar.

Em geral, os professores do curso em andamento afirmam que os alunos não sabem ler e compreender os textos mais complexos. Essa constatação parece ainda mais grave quando se trata de ensino semipresencial, o qual necessariamente exige que o aluno tenha autonomia para estudar e buscar informações. A instituição escolar ainda está pouco preparada para ensinar os alunos procedimentos que realmente propiciem maior autonomia para a aprendizagem. Daí a proposta de montarmos o projeto Oficinas de Leitura e Escrita, dirigido aos alunos da EJA, com o objetivo de que aprendam procedimentos de escrita e leitura a partir do estudo sobre doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) e AIDS, com a confecção de um painel de textos produzidos pelos alunos do tipo "Você sabia?".

Ensinando a aprender, para aprender mais

Os professores selecionam semanalmente para o jornal mural aquelas notícias que julgam pertinentes à leitura dos alunos, utilizando os modelos de organização das editoras nos jornais de grande circulação: Mundo, Brasil, Jundiaí, Eventos Culturais, Quadrinhos, Horóscopo, Moda, Saúde, Classificados.

Por meio do jornal mural, divulgamos a realização da oficina sobre DTSs e AIDS. A partir desse anúncio, os alunos deveriam fazer sua inscrição. Em turnos diferentes, montamos dois grupos, misturando alunos dos diferentes segmentos da educação. O critério de formação dos grupos foi reunir alunos que tivessem o desejo de ler e escrever melhor os textos informativos.
Em caráter experimental, a oficina contabiliza 24 horas e acontece uma vez por semana. Nosso principal objetivo é que os alunos tomem consciência de alguns procedimentos necessários para aprender a aprender. Assim, definimos alguns princípios norteadores do desenvolvimento do trabalho.


1. É preciso partir daquilo que os alunos já sabem.

Uma das condições para ensinar os alunos a aprender para continuarem aprendendo vida afora é ajudá-los a tomar consciência do que sabem. Para tanto, é necessário que o professor não só acredite que os alunos têm conhecimentos e condições necessárias para aprender, como também explicite isso em suas atitudes. De que modo o professor pode realizar essa tarefa? Planejando atividades com o que os alunos trazem, com o que eles precisam saber.

Exemplo prático: a partir de uma situação problema sobre DSTs e AIDS, os alunos teriam de escrever o que sabiam sobre o assunto. Este foi nosso primeiro material de análise sobre a escrita dos alunos e também a forma pela qual pudemos saber quais eram as hipóteses de cada uma sobre o tema, que tipo de informações traziam, se de fato tinham algum fundamento científico para, com base nessas informações, elaborar a próxima situação de estudo. É interessante ressaltar que não existiam grandes diferenças entre o que os alunos dos diferentes níveis (5ª a 8ª séries e ensino médio) sabiam sobre o assunto.


2. É preciso que os alunos aprendam o organizar e relacionar as informações que já possuem com as que estão adquirindo.

É importante que o professor ajude os alunos a estabelecer relações entre o que já aprenderam e o que estão aprendendo, criando em sala de aula um ambiente favorável à troca de idéias. Isso significa que os professores devem constantemente propor questões que possibilitem aos alunos refletir sobre o que sabem e o que estão aprendendo. Outras vezes, é o professor quem explicita as relações que ele pode estabelecer entre um conhecimento e outro. As perguntas e as relações verbalizadas ajudam os alunos a perceber que a construção de conhecimento ocorre por meio de sucessivas reorganizações, as quais são feitas a partir de novas relações. O professor pode dizer "Eu nunca havia pensado que tal fato tem relação com isso" (evidentemente, se isso de fato for verdadeiro), ou "A informação que tal aluna trouxe tem relação com determinado assunto estudado", ou ainda, "Eu assisti um filme sobre como as pessoas portadoras de hanseníase eram tratadas em determinado momento histórico e o relacionei com o preconceito que muitas pessoas têm ainda hoje com portadores do HIV".

Exemplo prático: após a leitura de uma notícia de jornal que comentava fatores que interferiam no tratamento da AIDS e o prejudicavam, uma aluna comentou que era portadora do vírus HIV e que havia abandonado o tratamento porque acreditava estar curada, já que estava assintomática e atribuía sua "cura" ao trabalho realizado em um culto religioso. Por meio da leitura de texto e do seu depoimento, abordamos outras questões delicadas e igualmente importantes de serem incluídas no trabalho escolar: o preconceito, o papel da medicina e da religião, etc. Nessas situações, os alunos não só encontram uma possibilidade de testar e validar seus saberes, como também têm a oportunidade de rever conceitos e pré-conceitos, compreendendo que muitos conhecimentos e valores que construímos são fruto das informações que temos sobre determinado assunto.


3. É preciso que os alunos aprendam a formular perguntas sobre o que querem aprender

Podemos dizer que formular perguntas é uma condição para se continuar aprendendo fora da escola. Este é um momento muito importante do trabalho, pois o professor deve ajudar os alunos a estabelecer uma relação entre atividade anterior e a atual, isto é, sobre o que sabiam ou pensavam saber, o que querem saber e o que quer que eles saibam. Por ser uma condição que se adquire novas informações, a formulação de perguntas deve ser realizada sistematicamente, e não só no início do desenvolvimento do estudo. Ter consciência de que esse é o primeiro passo para a busca de respostas, de novos conhecimentos, é um conteúdo fundamental que a escola deve ensinar.

Exemplo prático: no decorrer da primeira situação de levantamento e organização das perguntas, uma aluna fez o relato de suas experiências a partir de uma pergunta sobre a possibilidade de a AIDS ser transmitida por meio do beijo. Ela contou que seu marido era portador do vírus HIV, mas ela não. Assim, ao acompanhar o marido em seu tratamento, ela havia adquirido muitas informações a partir das dúvidas que levava para os médicos.


4. É preciso que os alunos aprendam como e onde podem encontrar informações sobre o assunto.

No desenvolvimento de um estudo, é fundamental que o professor diversifique as fontes de pesquisa e, mais ainda, que organize a atividade para que as tarefas seja distribuídas entre os alunos. Do contrário, buscar informações para contribuir com a ampliação dos conhecimentos dos colegas torna-se completamente sem sentido. Se todos têm uma mesma questão, um mesmo material de pesquisa, no que de fato cada um pode contribuir par a ampliação dos conhecimentos dos outros? Um estudo como esse pode ser uma grande experiência para a vida, ou melhor, para aprender que o conhecimento também é construído coletivamente, que é necessário ter uma relação solidária e comprometida, que é preciso aprender a se organizar em grupos, a distribuir tarefas, e que não existe uma única maneira de se encontrar respostas.

Exemplo prático: realizamos um levantamento sobre onde poderíamos obter respostas para tantas questões levantadas (em um dos grupos, foram 43 perguntas). A primeira resposta dos alunos foi a de que as informações encontram-se nos livros. Depois é que foram refletindo que jornais, revistas e folhetos também podem ser preciosa fonte de pesquisa. Os filmes e as entrevistas não entraram nesse rol; os professores é que foram os informantes de tais possibilidades.


5. É preciso que os alunos aprendam a desenvolver procedimentos que os ajudem a localizar a informação com eficácia.

Um dos fatores que podem ajudar os alunos na busca por informações mais precisas é a clareza sobre as perguntas que direcionam sua pesquisa e o que deve ser feito com as informações apuradas. Um dos procedimentos que temos enfatizado é que grifem no texto as informações que julgam pertinentes em função das perguntas que formularam nos diversos momentos do estudo. Depois disso, realizamos coletivamente uma lista das informações selecionadas para analisar quais são as mais pertinentes e relevantes em relação ao que está sendo pesquisado no momento.

Exemplo prático: os alunos sempre tinham de buscar informações específicas, com objetivos claros, como responder a uma ou mais perguntas que o próprio grupo havia elaborado, ou selecionar uma informação que julgavam ser muito importante para incluir no texto "Você sabia?", um dos conteúdos do painel do projeto.

O que pretendemos aqui é tornar evidente a necessidade de transpormos a idéia de aprender para aprender do discurso dos educadores para situações praticas de ensino. Neste artigo, apresentamos de forma breve algumas das condições fundamentais para ensinar o aluno a aprender, para ajudá-lo a tomar consciência do que sabe a continuar aprendendo pela vida afora.

__________
Marta Durante e Miriam Orensztejn
Marta Durante é pedagoga, mestre em Educação, professora do Centro Universitário FIEO / Osasco e integrante da equipe de formadores de professores da CENP do Programa Letra e Vida/ PROFA da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.
Email: martadurante@globo.com

Fonte:http://www.udemo.org.br/RevistaPP_02_10Odesafio.htm

CONSIDERAÇÕES SOBRE O LIVRO: PEDAGOGIA DA AUTONOMIA

O professor Paulo Freire, em seu livro Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa (1996). Estabelece um conjunto de princípios que pode nortear a prática docente. O livro trás os seguintes tópicos para reflexão: Cap.1 Não há docência sem discência. Cap.2 Ensinar não é transferir conhecimento. Cap. 3. Ensinar é uma especificidade humana.

Não há docência sem discência.

Neste capítulo Freire ressalta que, a reflexão critica sobre a prática se dá através do comprometimento com a pesquisa, a sala como um ambiente criativo e autentico onde educador e educando, ora educam ora são educados, e desta forma os saberes são construídos, o professor não é detentor de todo conhecimento e deverá recorrer à pesquisa sempre que for necessário. A autonomia pelo conhecimento se dá através da liberdade na escolha da melhor forma de assimilar os conteúdos e no comprometimento de ensinar o pensar certo, isso exige do profissional uma atitude rigorosa com o seu trabalho buscando ter sucesso na sua tarefa de ensinar a todos.

Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade. (1996, p. 29,)

Ensinar não é transferir conhecimento

Segundo Freire o educador necessita de outros saberes, dentre eles o respeito aos saberes do educando para isso ensinar exige humildade educacional para entender o educando como cidadão que já possui uma leitura de mundo. Na sua prática cabe ao professor descobrir a melhor maneira de a partir do conhecimento cultural do aluno ensinar o conhecimento escolar num processo onde o saber científico só será apreendido quando o conteúdo tiver significado na vida do educando. O que Freire enfatiza é a importância do apreender em detrimento da memorização, onde o aluno deve ser capaz de internalizar o conceito ou terá como conseqüência a reprovação. Freire nos ajuda a ver que o verdadeiro aprendizado se dá nas relações contextualizadas e que, devido ao bom entendimento, o conceito é transformado e trabalhado nas relações reais que envolvem a vida do aluno, numa atitude onde as tarefas do cotidiano permeiam a construção dos saberes escolares.

O respeito à autonomia e à dignidade de cada um é imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros... É neste sentido também que a dialogicidade verdadeira, em que os sujeitos dialógicos aprendem e crescem na diferença, sobretudo, no respeito a ela,... (1996, p.59- 60.)

Ensinar é uma especificidade humana

Por esta ótica a função do educador é: respeitar a leitura de mundo do aluno ajudando-o a descobrir novos saberes, ou também, sistematizar o conhecimento já apreendido, na sua realidade cultural, resignificando seu conhecimento. O que se espera é que o professor capacite o aluno a entender o conteúdo escolar, instrumento necessário para que ele tenha mais oportunidade de sucesso, no decorrer da sua vida cidadã.

Meu papel de professor progressista não é apenas o de ensinar matemática ou biologia, mas sim, tratando a temática que é de um lado objeto de meu ensino, de outro, aprendizagem do aluno, ajudá-lo a reconhecer-se como arquiteto de sua própria prática cognoscitiva. (1996, p.124)

Desta forma, estes princípios constituem uma prática educativa que concebe educador e educando como seres inacabados e dialógicos e lhes oferece o direito a autonomia na construção de uma relação de reciprocidade democrática que respeite a relação professor - aluno em busca de um fazer pedagógico que realmente proporcione a aprendizagem. A prática educativa na visão de Freire é libertadora, pois liberta professor e aluno levando-os a buscar seu próprio conhecimento através da autonomia, que só acontece quando ambos obtêm consciência política e compreensão do mundo em que vivem. O professor deve entender que sua prática não é neutra e diretamente influi na visão do aluno, de como interferir no mundo, e se puder, modificá-lo.

CONSIDERAÇÕES SOBRE O TEXTO: FORMAR PROFESSORES COMO PROFISSIONAIS REFLEXIVOS

No progressivo desenvolvimento da "cultura reflexiva, (termo utilizado para referir-se ao estudo das teorias do conhecimento, adquirido através de atividades práticas). Destacam-se os conceitos de Donald Schön, filósofo e pedagogo norte-americano que tem centrado seus estudos sobre a formação docente. Neste texto, o autor produz uma síntese genérica, aplicando as suas teorias à formação de professores (1992, p.11). Segue uma linha de argumentação centrada no saber profissional, tomando como ponto de partida a "reflexão-na-ação", que é realizada ao se defrontar com situações de incertezas, singularidade e conflito.

Este tipo de ensino é uma forma de reflexão-na-ação que exige do professor uma capacidade de individualizar, isto é, de prestar atenção a um aluno, mesmo numa turma de trinta, tendo a noção do seu grau de compreensão e das suas dificuldades (1992, p.82).

Donald Schön centra sua concepção no desenvolvimento de uma prática reflexiva, em três dimensões da reflexão sobre a prática: a compreensão das matérias pelo aluno; à interação interpessoal entre professor e o aluno; a dimensão burocrática da prática. (1992, p. 90-91).

  • A compreensão das matérias pelo aluno, traz consigo um saber que está presente nas suas ações, como ele compreende as propostas escolares, como interpreta as informações trazidas pelo professor. Este conhecimento adquirido está associado de certo modo ao enfrentamento das situações vividas revelando um conhecimento espontâneo, intuitivo. O conhecimento, portanto, é revelado por meio de ações espontâneas e habilidades.
  • Na interação interpessoal entre aluno e professor, Shön considera, como o professor se compreende ou compreende seu aluno, a partir do seu ponto de vista, diante de uma situação problema. Que qualidade de ação é produzida em meio às dificuldades sociais no cotidiano? Como pensa, reorganiza, reflete sobre a ação.
  • Para ele, a dimensão burocrática da prática tem suas implicações no cotidiano escolar, freqüentemente o sistema educacional impõe condições aos pensamentos e os fazeres da atuação do professor. Para Shön, essa burocracia é um componente que desencadeia um diálogo com a situação problemática que exige uma intervenção concreta. Considera que, nesse processo, o profissional envolvido, encontra-se constrangido pelas pressões do sistema. Portanto, exige uma reflexão maior do professor, sistematizando e analisando as múltiplas variáveis na procura da liberdade necessária a prática educativa.

Outra reflexão em destaque na fala de Schön é o distanciamento entre o fazer pedagógico reflexivo e a formação de professores. Há duas grandes dificuldades para a formação de um profissional prático reflexivo: a epistemologia Universitária e o currículo normativo. (1992, p. 91). É necessária, uma reflexão acerca da dificuldade acadêmica em desenvolver uma prática que vá de encontro à necessidade real do professor no interior da sua sala de aula, e como solução, sugere à formação contínua e o incentivo a pesquisa, onde os próprios professores documentariam sua prática, gerando observações e reflexões sobre suas ações, descrevendo um conhecimento que nelas está implícito.

Então, é através da formação contínua, mediante a observação e a reflexão, que os profissionais descreveriam e explicitariam seus atos, posicionado diante do que se deseja observar, podendo encontrar novas pistas para a solução dos problemas que se apresentam. Deveríamos apoiar os indivíduos que já iniciaram este tipo de experiência, promovendo os contatos entre as pessoas e criando documentação sobre os melhores momentos de sua prática. (1992, p.91).

Em fim, o que nos explica Schõn, e que a formação do profissional reflexivo exige um pensar crítico sobre a prática e, durante o processo, exercita o desenvolvimento da capacidade de reestruturar estratégias de ação, colocando em prova uma nova compreensão do problema. Apesar da racionalidade técnica que ainda domina o espaço acadêmico, a capacidade criativa do ser humano, ainda é um grande instrumento para a sua evolução.

CONSIDERAÇÕES SOBRE O LIVRO: A PRÁTICA EDUCATIVA

Como ensinar

A perspectiva que Zabala dotou ao fazer este livro foi, retirar alguns elementos que circundam a pratica educativa, argumenta que este campo é muito complexo e amplo, mas assume o risco de ser superficial a fim de estudar mais profundamente os pontos principais do assunto. Este texto traz as principais considerações que Zabala ressalta sobre a prática educativa.

Mesmo não querendo dar a ultima palavra sobre o tema, Zabala propõem alguns critérios que contribui para articular a prática docente com o momento e situação social em que ele de dá. Ressalta o uso da reflexão pedagógica e de referenciais que permitam interrogá-la. Ele enfoca que ensinar é difícil, uma situação complexa que exige do profissional a capacidade de diagnosticar o contexto de trabalho, tomar decisões, avaliar sua atuação e reconduzir suas ações sempre que necessário (1998, p.10).

Ao refletir sobre a função social do ensino comenta; por trás de qualquer prática educativa sempre há uma resposta a porque ensinar e como se aprende (1998, p.33). A aprendizagem depende de características singulares de cada aluno, as suas experiências, histórias de vida, capacidades, motivações, é um processo singular e pessoal, por isso ressalta a importância de considerar a diversidade na sala de aula como eixo estruturador do trabalho pedagógico.

Explica a existência de dois referenciais básicos para análise da prática educativa; o modelo tradicional tem por função social a seletividade e o ensino e propedêutico em concordância com objetivos que dão prioridade a capacidades cognitivas, a concepção da aprendizagem que fundamenta tem fim acumulativo e critérios uniformizadores. O outro modelo tem função social compreensiva e formação integral, os objetivos e conteúdos visão desenvolver a capacidade de todos fundamentada pela concepção construtivista atendendo a diversidade dos alunos e respeitando seu processo de aquisição do conhecimento pela autonomia. (1998, p.49,50).

Porém, Zabala considera que devido as variáveis que envolvem o processo educativo é preciso considerar que a forma de ensinar não pode se limitar a um único modelo.

Assim, pois, a busca do modelo único, do método ideal que substitui o modelo único tradicional não tem nenhum sentido. A resposta não pode se reduzir a simples determinações gerais. É preciso introduzir, em cada momento, as ações que se adaptem ás novas necessidades formativas que surgem constantemente, fugindo dos estereótipos ou dos apriorismos. O objetivo não pode ser buscar a forma magistral, mas a melhora da prática. (1998,p.51)

No momento, em busca de uma prática mais aprimorada a concepção construtivista é o modelo de ensino que melhor atende aos aspectos da diversidade e formação integral dos alunos e do professor. A atividade do aluno o torna protagonista do seu conhecimento, e junto com o professor, estabelece caminhos para uma ação que se constrói numa relação de diálogo e observação do conhecimento já adquirido e daquele que precisa ser assimilado. A intervenção do professor age na Zona de desenvolvimento proximal (Vygotsky, 1979) ajudando o aluno a ir além da sua capacidade superando desafios.

No seu estudo sobre a avaliação, Zabala explica que a função social da avaliação é ser um instrumento essencial para direcionar o processo da aprendizagem, tendo o cuidado de avaliar de diferentes formas verificando a capacidade de cada aluno, a avaliação, portanto ajuda o aluno a interpretar o seu próprio conhecimento. Diferente da avaliação sancionadora onde a função social é seletiva cabe aos alunos obter bons resultados a partir de uma rígida disciplina que o condicione a memorizar o maior número de conhecimentos possíveis, ou seja, não é o ensino que deve se adaptar ao aluno, mas o aluno que precisa se adaptar aos conteúdos. (1998, p.199)

Em fim, Zabala nos ajuda a pensar uma prática centrada no sujeito onde a função social da aprendizagem seja ensinar integralmente a todos considerando suas especificidades onde a avaliação é muito mais completa, pois entende que cada aluno é um sujeito em formação.

RELATOS DE PRÁTICAS PRODUZIDAS NA SALA DE ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO CENTRO COMUNITÁRIO CSE. REALENGO, RJ.

Como nos explica Schön o professor reflexivo é aquele que busca nos seus atos cotidianos um fazer pedagógico que vá de encontro às necessidades do seu aluno. Freire completa afirmando que é preciso espaço para dialogar, quer dizer: espaço para ouvir, espaço para conhecer, espaço para entender ou terá como conseqüência um trabalho improdutivo. Minha intenção é a partir da investigação do cotidiano da sala de EJA perceber elementos que indiquem a presença das concepções dos autores estudados.

Aconteceu com D. Rita uma senhora de 82 anos vinda da Paraíba. Planejei uma aula sobre ordem dos números, e falaria sobre antecessor e sucessor, para início de conversa, utilizaria a data reduzida que rotineiramente escrevia no quadro pensando ser o modo mais fácil. Percebi que Dona Rita copiava a data do quadro de maneira mecânica, logo comecei a explicar o significado de cada número, porém sua dificuldade era entender, por que julho correspondia ao mês 07, depois de muita conversa, resolvi usar os dedos e lentamente contar com ela, antes que eu terminasse, gritou. Já sei D. Fátima! Vou dize pra ocê os mêis! Cheia de alegria e segurança falou, Janeiro, Fevereiro, março, abriu, maio, junho, SANTO ANTÔNIO, SANTANA, setembro outubro.... Foi desta forma que entendi que nunca Dona Rita conseguiria apreender o que era data reduzida muito menos antecessor e sucessor se eu continuasse a ensinar sem perceber as interferências do seu saber cultural sobre o conhecimento novo e o quanto o saber já adquirido poderia interferir na sua aprendizagem de maneira positiva ou negativa. A partir daí quando coloco a data no quadro, respeito sua cultura se falo, Ainda estamos no mês de Santo Antônio que é Julho, porém logo entraremos no mês de Santana em agosto. Alargo sua possibilidade de compreensão do conhecimento escolar e dou valor aos seus saberes já apreendidos, sua leitura de mundo. Freire defende a idéia de que ninguém ensina ninguém aprendemos em colaboração, uma colaboração ativa que exige do professor e do aluno uma atitude de pesquisadora frente ao conhecimento. Desta forma a autonomia se faz através do pensamento que ao evoluir cria, transforma, recria, esta proposta exige que se e instigue o aluno a dizer o que já sabe sobre o conhecimento para depois introduzir novos saberes.

A pesquisa evolui quando, ao descobrir o que o aluno sabe o professor o anima a se aprofundar, desenvolvendo nele um espírito de detetive sobre seu próprio conhecimento. Conversando com a turma depois de escolher o tema gerador saúde, percebi que havia entre eles uma aluna que gostava de lidar com plantas e julgava que sabia tudo sobre ervas medicinais. Venho então à idéia de construir um alfabeto de plantas medicinais, o interessante foi que, ao trazer o resultado da pesquisa sobre as propriedades medicinais do Alecrim para sala, onde, entre outros conhecimentos, constava o nome científico, as indicações e o modo de usar. Dona Alaíde, Carioca, 70 anos, exclamou. Nossa, eu que pensava saber tudo sobre as plantas. Quanta coisa eu não sabia!. O tema também foi oportuno para discutir as superstições, os preconceitos, os efeitos colaterais e os efeitos da alto-medicação. Dona Alaíde ficou responsável por trazer toda semana uma planta, respeitando a ordem alfabética. Seu interesse pelo conhecimento foi tanto, que ela tomou o cuidado de secar as ervas medicinais, possibilitando a colagem das mesmas no caderno.

Nesta experiência observei que, o professor que busca ser um professor investigador exercitando sua capacidade reflexiva em prol do desenvolvimento da autonomia do seu aluno, precisa perceber o quanto esse aluno pode se tornar seu parceiro nesta busca, desta forma o processo educativo é acelerado, pois o conhecimento é construído com qualidade de forma definitiva. Esse saber ao ser apeendido promove um trabalho conjunto, onde professor orienta aluno que orienta o professor é a competência técnica sem a arrogância.

Sr. José, 49 anos veio de Pernambuco para o Rio de Janeiro a mais de trinta anos fez carreira numa empresa de ônibus, de ajudante à motorista, com a chegada das máquinas eletrônicas todos os motoristas tiveram que passar por uma capacitação e Sr. José não conseguiu ser aprovado.

Durante uma conversa ele disse: sou profissional experiente, mas quando vou fazer entrevistas nas empresas não consigo passar pela inscrição não sei preencher a ficha!. Sr. José tinha quase vinte anos de empresa e com o advento da modernidade perdeu seu trabalho, tem certificação escolar até a quarta série, mas na verdade é analfabeto funcional.

A escola que Sr. José conheceu praticava o modelo tradicional tão bem descrito por Zabala, conta que, quando errava a professora como punição usava uma palmatória, cansado de apanhar saiu da escola e só voltou adulto, por necessidade. Sr. José sofreu as conseqüências da função seletiva praticada na escola, a exclusão escolar daqueles que por motivos diversos não se enquadravam no modelo educacional vigente, priorizando alguns referenciais e esquecendo que nem todos têm as mesmas oportunidades. A dificuldade de Sr. José na escola se contradiz com sua vida profissional, ele dizia: Sei fazer de um tudo professora, menos ler e escrever, possui mais de cinco ofícios, porém suas habilidades pouco ou nada foram consideradas no decorrer de sua vida escolar.

A atividade que realizei com Sr. José foi uma reescrita de texto, após uma leitura frustrada, de um livro paradidático, pedi que ele escrevesse com suas palavras o que havia entendido do livro, percebendo sua dificuldade chamei uma outra aluna Cleia, 50 anos, Mineira, também analfabeta funcional para formar uma equipe móvel (Zabala. 1998 p.125). Após alguns momentos de hesitação, começaram a produzir juntos e sem perceber conseguiram escrever cerca de três páginas sobre o livro, essa interação proporcionou-lhes auto-estima e fez com que a leitura e a escrita se tornasse uma prática possível.

Concluo utilizando as palavras de Freire, A atividade docente de que discente não se separa. È uma experiência alegre por natureza (1996, p.142) Por isso, a formação do professor reflexivo em favor de uma prática educativa que desenvolva seres autônomos, exige um educador ciente da sua tarefa transformadora. O relato destas experiências ajuda-nos a perceber no cotidiano da sala, as várias oportunidades de ações que exigem do professor ser um agente de mudança, reflexivo e um estudioso sobre a sua prática. Esta conscientização é o fator primordial para uma educação inclusiva e democrática.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A educação é uma forma de intervenção no mundo... Implica tanto no esforço de reprodução da ideologia dominante quanto o seu desmascaramento. (Freire. 1996, p. 98.).

Os três autores apresentados possuem concepções que muitas vezes se fundem ou se completa, a ideologia progressista deles abre-nos para uma prática pedagógica a serviço da humanidade. Apesar do aspecto utópico as propostas são possíveis de serem realizadas. Suas reflexões nos ajudam a não perder a esperança de uma educação efetiva que incluam as populações empobrecidas e historicamente excluídas no espaço escolar, é um caminho para a justiça social, neste caso, no trato com analfabetos. Por muito tempo a sociedade impôs a estes segmentos: mulheres, negros, idosos, nordestinos, jovens da periferia urbana um saber escolar agrupado em categorias e não por sentido (Schön. 1992 p. 81).

Freire, Schön e Zabala nos animam a pensar uma prática emancipatória e reflexiva, que promova o professor a planejar sua ação docente com propósito de romper com a exclusão forjada no processo educativo. Suas falas são pertinentes, pois possibilitam um olhar diferenciado para a educação. Ao repensar a prática educativa como uma função social que influi diretamente no futuro do educando dão nova visão ao papel do professor como um estrategistas que usa seu planejamento, sua capacidade reflexiva e seu embasamento teórico para incluir a todos. Suas concepções visão promover uma escola que livre seus alunos da condenação de ocupar cargos subalternos na hierarquia social, onde a apropriação de sua força de trabalho acontece de forma cruel e desumana, conseqüência de uma prática pedagógica centrada na visão eurocêntrica do saber descontextualizada da realidade sociocultural do educando.

Em fim, este trabalho é uma visão micro, local de uma realidade global que atinge toda educação. O futuro das práticas escolares está diretamente ligado promoção de políticas públicas efetivas que garantam ao profissional mais espaço para refletir sobre a seu fazer pedagógico no cotidiano da sala. Também destas práticas dependem nossos alunos, para obter uma formação comprometida com a autonomia, que desnaturalize lugares sociais e contribua para que milhões de pessoas possam romper de fato com o processo de exclusão e o analfabetismo.

BIBLIOGRAFIA

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. Saberes necessários à prática educativa. 33º ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

SCHÖN, Donald. Formar professores como profissionais reflexivos in: Os professores e sua formação. (Org). De Nóvoa; Lisboa, Portugal, Dom Quixote, 1992, p.79-91.

ZABALA, A.. A Prática Educativa: Como Ensinar. Trad. Ernani F da Rosa. Porto Alegre. ArtM, ed.,1998.

Ao usar este artigo, mantenha os links e faça referência ao autor:
As Concepções De Freire, Schön E Zabala, Nas Salas De Eja publicado 19/02/2007 por Maria de Fátima Ferreira de Oliveira em http://www.webartigos.com

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Fonte: http://www.webartigos.com/articles/1153/1/As-Concepcoes-De-Freire-Schon-E-Zabala-Nas-Salas-De-Eja/pagina1.html#ixzz16e72qpse

sábado, 27 de novembro de 2010

Trabalhando com quadrinhos em sala de aula


Juliana Carvalho

Professora e redatora

Eu, que fui criança na década de 1980, não me lembro de ter lido (com permissão do professor) nenhuma revista em quadrinhos em sala de aula. Infelizmente, não tive nenhum professor pioneiro que percebesse as infinitas possibilidades desse material para o trabalho com qualquer disciplina. Ao contrário, se qualquer aluno fosse visto com uma revistinha, ela era “sequestrada” e se exigia a presença dos pais na escola para a devolução. Todos os dias, depois de ir à escola e fazer as lições da cartilha Casinha Feliz, era ao chegar a casa que eu realmente aprendia a ler com os gibis da Turma da Mônica, comprados aos montes por meu pai. Os gibis não foram apenas coadjuvantes na minha formação leitora; foram fundamentais no processo de aquisição da língua e de capital cultural.

Se na década de 80 tive o incentivo dos meus pais para ler as revistinhas, nas décadas anteriores isso não ocorria. As histórias em quadrinhos eram culpadas pelo desestímulo à leitura e à criatividade, já que mostravam os cenários desenhados e deixavam pouco para a imaginação do leitor, o que tornaria as crianças preguiçosas. Além disso, foi publicado nos EUA, no início dos anos cinquenta, o livro Sedução dos Inocentes, de Fredrick Werthan, que apontava os gibis como responsáveis pela delinquência juvenil.

Hoje, os tempos são outros. Os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (RCNEI), e os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) já os contemplam e destacam sua importância ao sugerir o trabalho com diversas mídias em sala de aula. Em 2007, dez anos depois da criação do Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE), as histórias em quadrinhos (HQs) finalmente foram incluídas nos acervos distribuídos a bibliotecas escolares. Foram 14 livros naquela edição e outros 16 em 2008. Em 2009, as HQs já representam 4,2% dos 540 títulos listados pelo programa.

Entre os motivos para utilizar os quadrinhos na escola, estão a atração dos estudantes por esse tipo de leitura, a conjunção de palavras e imagens, que representa uma forma mais eficiente de ensino, o alto nível de informação deles, o enriquecimento da comunicação pelas histórias em quadrinhos, o auxílio no desenvolvimento do hábito de leitura e a ampliação do vocabulário. O que se vê cada vez mais é a formalização desse gênero textual na sala de aula, mas muitos professores ainda têm dúvidas sobre como utilizá-lo. Que aspectos devem ser explorados? Os quadrinhos podem ser utilizados em qualquer disciplina? HQs, tirinhas, charges e cartuns devem ser trabalhados da mesma forma?
Vou tentar responder a algumas dessas dúvidas e dar sugestões para atividades relacionadas com qualquer disciplina, em especial com o ensino de língua portuguesa, do qual posso falar com mais propriedade. Para facilitar nosso entendimento, utilizamos tirinhas utilizadas do artista Marcelo Vital, disponíveis no site www.fulaninho.com.br.

Os quadrinhos

As histórias em quadrinhos, charges, cartuns e tirinhas são textos multimodais, ou seja, trazem, além da linguagem alfabética, imagens, disposição gráfica na página, cores, figuras geométricas e outros elementos que se integram na aprendizagem. Antes de desenvolver atividades de qualquer disciplina – um trabalho com operações matemáticas, por exemplo –, é preciso explorar todas essas formas de representação para ampliar a capacidade leitora e garantir que a criança ou jovem entenda ao máximo os recursos oferecidos, gerando sentido. Observe a imagem:

A importância da imagem

Neste quadrinho, a imagem tem um peso grande, pois, se retirássemos as falas, grande parte dele seria compreendida. A situação está visível no contraste entre a expressão facial dos pais (surpresa e tristeza) e a do filho (feliz). É preciso explorar todos os elementos presentes no cenário, como cores e disposição dos móveis. A sala em tons pastéis e a presença de poucos móveis passam uma ideia de organização, e isso reforça a sujeira feita pela criança com tinta cor-de-rosa. Está a cargo do texto escrito mostrar o equívoco do filho, ao pensar que a mãe estava chorando de alegria.

Outro fator importante é o contexto. Principalmente nas histórias produzidas para adolescentes, como as de super-heróis, estão presentes inúmeras referências atuais e históricas à cultura pop, guerras, personagens políticos e sociais. É fundamental mostrar o contexto em que a HQ foi produzida, no caso de quadrinhos antigos, ou acrescentar mais informações caso haja referência a algum fato histórico.

Charges, tirinhas, cartuns e histórias em quadrinhos

O que são e como se caracteriza cada um deles? As definições a seguir foram retiradas da Wikipédia:

Charge é um estilo de ilustração que tem por finalidade satirizar, por meio de uma caricatura, algum acontecimento atual com uma ou mais personagens envolvidas. A palavra é de origem francesa e significa carga, ou seja, exagera traços do caráter de alguém ou de algo para torná-lo burlesco.

Um cartoon, cartune ou cartum é um desenho humorístico acompanhado ou não de legenda, de caráter extremamente crítico retratando de forma bastante sintetizada algo que envolve o dia-a-dia de uma sociedade.

A tirinha, também conhecida como tira diária, é uma sequência de imagens. O termo é atualmente mais usado para definir as tiras curtas publicadas em jornais, mas historicamente o termo foi designado para definir qualquer espécie de tira, não havendo limite máximo de quadros – tendo, claro, o mínimo de dois.

A revista em quadrinhos, como é chamada no Brasil, ou comic book como é predominantemente conhecida nos Estados Unidos, é o formato comumente usado para a publicação de histórias do gênero, desde séries românticas aos populares super-heróis.

Cores

As cores são elementos importantes na comunicação visual e, portanto, nas HQs. Nos quadrinhos, grande parte das informações é transmitida pelo uso de cores. A cor é um elemento que compõe a linguagem dos quadrinhos; mesmo nas histórias em preto-e-branco, não se trata apenas de um recurso estilístico. Os desenhistas americanos perceberam isso passaram a não restringir o uso de cores apenas ao cenário. Elas assumiram a capacidade de simbolizar determinados elementos, principalmente nos quadrinhos norte-americanos de massa, passando a simbolizar personagens na mente do leitor. O Incrível Hulk é verde. O Lanterna Verde também. O Capitão América tem o uniforme com as cores da bandeira norte-americana. Os Smurfs são conhecidos por serem todos azuis. Maurício de Souza também utilizou as cores para criar as identidades de seus personagens. Uma menina forte como a Mônica só poderia usar um vestido vermelho; que menino travesso não desejaria dar um nó nas orelhas de um objeto tão particular quanto um coelho de pelúcia azul?

O conhecimento das sensações e reações provocadas pelas cores é um importante instrumento de comunicação que tem sido usado nas HQs. Sabemos que o rosa, por exemplo, é uma cor feminina e juvenil, assim como o violeta. O vermelho evoca força, energia e está associado à vida, por ser a cor do sangue. Também se usa o vermelho para caracterizar situações de perigo, assim como nos sinais de trânsito. Quadrinhos com cores frias seguidos de quadrinhos com cores quentes podem significar a passagem da tristeza para a alegria ou da doença para a saúde, por exemplo. As estações do ano e os fenômenos climáticos também são representados por cores. O fundo preto é muito usado para representar a imaginação das crianças, um espaço onde tudo pode acontecer:

Os quatro quadrinhos iniciais retratam uma situação que só acontece na cabeça da criança. No último quadrinho, voltam a luz, as cores e, com elas, a realidade.

Balões

Os balões são recursos gráficos utilizados para tornar sons e falas visíveis na literatura. O balão seria o recurso gráfico representativo da fala ou do pensamento, que procura indicar um pensamento, um monólogo ou um diálogo. O quadrinho necessita do balão para a visualização das palavras ditas pelas personagens. Diferentemente da literatura, mesmo a ilustrada, os quadrinhos não precisam indicar ao leitor a qual personagem corresponde aquela fala ou pensamento, pois os balões indicam por meio do apêndice.

O formato dos balões pode variar de acordo com as intenções do autor. O balão de fala tem um contorno forte, nítido; o balão de pensamento tem outra forma. Ele é irregular, ondulado ou quebrado e o apêndice tem o formato de pequenos círculos. Pensar é algo bem diferente de falar em voz alta, ainda que seja um monólogo, por isso existe essa distinção entre os balões. O contorno do balão pode ser tremido, indicando medo ou emoção forte, pode ser recortado, o que indica explosão verbal ou raiva, ou mesmo pontiagudo, fazendo o leitor perceber que o som está sendo emitido por uma máquina. Também podem ser usados alguns contornos metafóricos, como estalactites (que indicam frieza na resposta) ou pequenas flores (que indicam o oposto). Outra característica dos balões é ajudar a mostrar ao leitor a ordem de leitura e a passagem do tempo. Uma exigência fundamental é que sejam lidos numa sequência determinada, para que se saiba quem fala primeiro. Uma boa atitude é incentivar seus alunos a descobrir vários tipos de balões e a criar os seus próprios.

Lapso de tempo

O lapso de tempo é o espaço que liga o quadro anterior ao posterior. Deve ser completado pela imaginação do leitor, fazendo com que a história tenha sequência. Para entender o quadrinho, é preciso entender o que aconteceu antes e o que acontecerá depois. Isoladamente, um quadrinho que faz parte de uma história é difícil de entender, mas duas imagens constituem uma narrativa, desde que sejam colocadas em sucessão ou que o leitor as entenda assim. Nas histórias em quadrinhos, o leitor constrói e confirma a narrativa que faz sentido na história. O lapso de tempo aceitável está no meio de duas imagens que representam continuidade. As transições são possíveis porque o leitor está acostumado a ler o corpo do texto como narrativa. O leitor procura, então, juntar os quadros para formar linearidade. Esta busca para “fechar” a narrativa, ou para “completá-la” estimula a criatividade e faz das HQs importantes instrumentos para a formação de leitores.

Metáforas Visuais

As metáforas visuais são usadas pelos autores para transmitir situações da história por meio de imagens, sem utilização do texto verbal. Quando o personagem está nervoso, sai fumaça da cabeça dele. Quando alguém está correndo muito rápido, aparecem vários traços paralelos e uma nuvenzinha para demonstrar seu deslocamento. Cédulas e moedas indicam que a pessoa está pensando em dinheiro, assim como corações indicam amor. Incentive seus alunos a criar metáforas visuais. Por exemplo, como seria a metáfora visual para alguém triste?

Sugestão de atividades

Língua Portuguesa

Observe a sequência de quadrinhos.

Uma atividade muito comum, mas nem por isso menos valiosa, é apagar os textos dos balões e pedir que as crianças escrevam seus próprios diálogos, fazendo a interpretação das imagens. Tendo como base esse quadrinho, também podem ser trabalhados temas como linguagem informal, compreensão do cenário, coerência das falas com as imagens, convívio entre crianças ou adolescentes.

Um fator importante nesse quadrinho é o contexto. Quem conhece a praia de Copacabana imediatamente vai associá-la à tirinha, pelo desenho do calçadão. Quem costuma frequentar essa praia compreenderá mais facilmente os apuros vividos pelo garoto que vai embora enfaixado, pois sabe que essa praia costuma estar cheia nos fins de semana e feriados. Crianças que moram em ambientes onde não haja praia precisam receber essas informações.

Essa é uma tirinha que apresenta muitos lapsos de tempo. Que situação deve ter ocorrido entre o quarto e o quinto quadrinhos?

Educação Artística

Os alunos podem analisar a linguagem dos quadrinhos e criar seus próprios personagens, balões, quadros e onomatopeias.

Matemática

Os alunos podem ser levados a desenhar histórias explicando operações matemáticas, ou que envolvam tramas cuja solução seja desvendada pela solução de um problema matemático.

História e Geografia

Os quadrinhos de super-heróis trazem muitas referências a fatos históricos, principalmente guerras. Ligas de super-heróis são geralmente compostas por heróis de várias nacionalidades. Algumas histórias da Turma da Mônica fazem referência a fatos históricos do Brasil. Cabe ao professor pesquisar e guardar este material para utilizar quando estiver lecionando sobre o assunto abordado.

Ciências

Os gibis dos X-Men, por exemplo, tornaram popular o conceito de mutação e podem ser usados para iniciar uma aula sobre Darwin. Por outro lado, muitas histórias em quadrinhos falam sobre descobertas científicas. Pesquise os quadrinhos do Quarteto Fantástico, Watchman, Homem-aranha, por exemplo.

Publicado em 19 de maio de 2009

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Reflexões sobre o ensino de Geografia nas séries iniciais do ensino fundamental



Valéria Marques[1]

publicado em 05/12/2008

Resumo__O objetivo deste trabalho é fazer uma reflexão sobre o ensino de Geografia nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental, analisando como foram construídas as formas de pensar e de fazer o ensino de Geografia nessas séries. Partindo da analise da inserção oficial no currículo, perpassando pelo Estudos Sociais e a Educação Moral e Cívica e os Parâmetros Curriculares Nacionais.

Palavras-chave: Ensino Geografia. Séries Iniciais.

Introdução

Este trabalho constitui parte da pesquisa que estamos desenvolvendo para o mestrado no programa de pós-graduação em Geografia da PUC-SP, cujo objetivo central é fazer uma reflexão a respeito do ensino de Geografia nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental, para posteriormente podermos refletir sobre a alfabetização em Geografia, e, dessa forma, compreender qual a importância desse componente curricular para essa fase de escolaridade com vistas ao desenvolvimento geral da criança.

Para o recorte deste trabalho faremos uma reflexão de como foram sendo construídos o pensar e o fazer relacionados às aulas de Geografia nas Séries Iniciais desde a sua inserção no currículo do Ensino Fundamental. Para isso dividimos esse trabalho em dois momentos e assim fizemos uma reflexão desde quando a Geografia foi inserida no currículo nas Séries Iniciais, até as heranças do período de regime militar, refletindo sobre as heranças da Educação Moral e Cívica, tais como o ensino de Geografia em Círculos Concêntricos e o vinculo deste componente curricular, nas Séries Iniciais, com as comemorações cívicas e datas festivas e o Estudos Sociais, com o esvaziamento dos conhecimentos geográficos.

Posteriormente, fizemos uma análise do ensino de Geografia a partir da década de 1980, com a redemocratização do país, refletindo especificamente sobre os encaminhamento proposto pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para o ensino de Geografia nas Séries Iniciais, que vai introduzir oficialmente os componentes curriculares de Geografia e História nas Séries Iniciais do Ensino Fundamenta, o que ressaltamos como ponto positivo, porém esse documento apresenta pontos que não contribuíram para melhorar o ensino de geografia nessas séries, reforçando alguns problemas antigos como ensino desse componente curricular baseado em escalas locais, mantendo a idéia dos Círculos Concêntricos, reforçando uma abordagem dual entre a natureza e sociedade e apresentando novos problemas como o ensino de Geografia voltado para a formação da cidadania e da criticidade, os quais discutiremos nesse texto.

O ensino de Geografia nas Séries Iniciais no Brasil

O ensino de Geografia passou a fazer parte do currículo oficial do ensino primário no País a partir promulgação da Lei Orgânica do Ensino Primário e a Lei Orgânica do Ensino Normal em 1946, conhecida como Reforma Capanema. Até aquele ano, a Geografia fazia parte desse nível de escolaridade de forma indireta, pois os conteúdos geográficos eram estudados em textos dos livros didáticos que os professores selecionavam. Os dados geográficos eram apresentados de forma descritiva, com a predominância do enciclopedismo e da descontextualização.

O ensino de Geografia não integrava diretamente os conteúdos das escolas de primeiras letras. Isso não impediu, porém, que aparecesse de maneira indireta nesses estabelecimentos. Sua presença ocorria por meio da história do Brasil e da língua nacional , cujos textos eram dedicados à descrição do seu imenso território com ênfase para suas dimensões e belezas naturais. (VLACH, 2004)

A Reforma Capanema foi, então, a responsável pela inclusão da Geografia nas classes do Ensino Fundamental elementar e complementar, de acordo com as propostas da Escola Nova o Ensino Primário tem a função de promover o desenvolvimento geral do aluno e não apenas a leitura e a escrita. Desse modo, a reestruturação curricular da educação, de forma geral, e também o ensino de Geografia foram ao encontro das necessidades de assimilação de conhecimentos úteis para a vida em sociedade.

Durante 13 anos ocorreram amplos debates até a promulgação da LDB de 1961, que era bem menos pretensiosa que a lei de 1946. Além disso, a orientação curricular era bem mais flexível. De acordo com Zott, as regulamentações promovidas na Lei 4.024/61, bem como a reforma que iria se concretizar com a Lei 5.692/71, tinham o objetivo de alinhar o sistema educacional aos planos do estado capitalista militar, a fim de adequar a educação à ideologia do “desenvolvimento com segurança”. Dessa forma, com a flexibilidade o currículo real de cada estado passou a ser organizado de acordo com as suas peculiaridades e necessidades. Como a Geografia não colaborava para a realização dos objetivos políticos e ideológicos daquele momento, o governo Jânio Quadros instituiu a Educação Moral e Cívica em todos os graus da rede de ensino. Assim, o ensino de Geografia nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental sofreu duplamente as conseqüências da LDB de 1961, posto que a flexibilidade curricular da nova lei permitia a cada estado fazer novos arranjos. Cada órgão estadual de Educação se organizava de acordo com seus recursos humanos e com a instituição da EMC os professores, ao se organizarem na sua prática docente, viam uma aproximação muito grande nas questões tratadas na Geografia e na EMC, haja vista que, de acordo com as determinações do Governo, tais disciplinas deveriam ser trabalhadas em círculos concêntricos, sob a égide de Deus e da pátria, englobando num leque maior a família e a comunidade. É o que se pode extrair da afirmativa de Cunha e Góes (1985).

A intenção era a de enquadrar o indivíduo em uma sociedade harmônica baseada no lema Deus, Pátria e Família, com ênfase para os papéis individuais como meio de progresso e bem-estar de todos. Cada cidadão deveria ser cumpridor de seus deveres e, como conseqüência, merecedor de direitos. O conteúdo do Ensino Primário estava centrado na relação família, escola e comunidade como forma de celebrar a coesão social e condenar os comportamentos desviantes desse padrão.

Percebe-se diante desse quadro que o vínculo da EMC com a Geografia era muito estreito, a ponto de determinar que a primeira deveria trabalhar em função da tríade família, comunidade, e nação. Entendia-se que esses assuntos substituiriam as temáticas geográficas em face da grande deficiência na formação de professores das séries iniciais. Assim, a assimilação ideológica seria facilitada, a prevalecer o raciocínio dos idealizadores de todo o processo.

Com a reforma da LDB em 1971, foi introduzida a matéria Estudos Sociais no currículo das escolas primárias visando à substituição de Geografia e História. A implantação da disciplina Estudos Sociais, somada ao ensino da EMC, acarretou muitos problemas que podem ser detectados na escola de base ainda hoje.

Heranças da EMC e dos Estudos Sociais

Ao analisar o ensino de Geografia nas Séries Iniciais podemos destacar alguns problemas que foram herdados ou reforçados no período de regime militar por meio da implantação da EMC e dos Estudos Sociais. Um dos principais foi o ensino de Geografia a partir de Círculos Concêntricos, e também vinculada ao civismo e às datas comemorativas. Há que se ressaltar que em muitas escolas a Geografia e a História ainda são trabalhadas como Estudos Sociais nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental o que nos mostra que ainda não conseguimos romper com essa forma de organização curricular.

Quanto aos Círculos Concêntricos se baseava no nível de desenvolvimento psicológico do aluno, que deveria ir do concreto ao abstrato vencendo etapas de acordo com seu nível de desenvolvimento. Assim, nas primeiras fases de escolaridade iniciava-se o estudo com uma referência mais próxima, a casa e a escola, a comunidade ou o bairro, para, posteriormente, avançar para o município, estado e nação. De acordo com Zotti (2004).

No ensino primário a EMC deve partir do que é próximo da criança - a família e a escola – para, ato contínuo, o estudo da comunidade, do País e do mundo (BRASIL, 1975). Ainda especifica os objetivos comportamentais e um rol de conteúdos a serem ministrados em duas unidades: Unidade I – Família: sua relação com a escola e a comunidade; Unidade II Escola: suas relações com a comunidade.

Desse modo, podemos perceber que o estabelecimento de uma ordem escalar para priorizar o desenvolvimento do ensino da EMC resultou na formação de um vínculo implícito com o ensino de Geografia. Em paralelo, um outro fator importante nesse sentido foi o de que no período já havia discussões relacionadas às Teorias Piagetianas, obviamente um reforço à idéia segundo a qual crianças nessa faixa etária deveriam aprender partindo do concreto, pois não tinham condição de abstrair-se, tese que sustentava a idéia de círculos concêntricos.

Assim, com a junção dos componentes curriculares houve um esvaziamento dos conteúdos de Geografia e História, dessa forma, a identificação de quais são os conteúdos geográficos e qual a importância desse componente curricular para essa faixa etária fica prejudicada, tornando-se uma dificuldade real para as professoras dessas séries.Com a permanência dos Estudos Sociais fica ainda mais difícil a compreensão de que a Geografia trata do onde as coisas acontecem, sendo dessa forma vinculada com a compreensão da dinâmica existente no espaço, enquanto que a História está relacionada com o quando as coisas aconteceram, ou seja, com tempo.

Um outro fator que confirma o vínculo entre o ensino de Geografia atual com a EMC e aos Estudos Sociais é a idéia de que as comemorações cívicas como Independência do Brasil, aniversário da cidade e outros feriados festivos relativos à história da Nação são tratados como atividades geográficas, sem tratados de forma histórica, fato que evidencia a fusão da Historia e da Geografia e reafirma o que foi comentado acima sobre o problema da falta de clareza nos objetivos geográficos.

Em assim sendo, é fácil compreender que os problemas herdados da EMC e dos Estudos Sociais ainda são muito fortes no ensino de Geografia nas classes iniciais. Ademais, é preciso evidenciar que as professoras dessas séries não possuem formação específica em Geografia e, além disso, muitas professoras carecem de referências geográficas, ou seja, além da falta de formação teórica há também a possibilidades de que muitas professoras durante toda a sua formação básica as aulas eram de Estudos Sociais e apesar de estudarem de alguma forma, tanto a história como a Geografia, não foi possível construir uma identidade relacionada com as aulas de Geografia. em toda sua vida escolar, algo passível de acarretar mais dificuldades.

Dentro desse contexto podemos compreender que, além da formação profissional deficiente, a formação cultural relacionada à importância do ensino de Geografia e os seus objetivos em alguns casos nunca ocorreram. Observa-se que as décadas sob regime militar no Brasil deixaram agudos problemas, principalmente para as Séries Iniciais do Ensino Fundamental. Tais falhas não podem ser atribuídas exclusivamente ao fato de os professores serem polivalentes e não terem formação específica em Geografia, mas às questões resultantes do inconcebível pouco caso com que a educação de base sempre foi tratada no País, com ênfase, como frisamos acima, para os monumentais equívocos perpetrados durante as décadas de regime militar.

Passamos então para a análise do ensino de Geografia nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental a partir da década de 80, com a redemocratização do País. Isso nos possibilitará depreender quais foram as principais propostas para romper com as práticas antigas relacionadas ao ensino de Geografia nessas séries. Ou ainda como alguns problemas foram se sedimentando ao longo das últimas décadas do século passado e início deste, apesar de tantas mudanças oficiais como a retomada do ensino de Geografia e História separadamente, a nova Lei de Diretrizes e Base, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e o Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) e, diante dessa nova conjuntura educacional, compreender quais foram as mudanças ocorridas ou quais os novos obstáculos apresentados.

O ensino de Geografia nas Séries Iniciais depois de 1980

A partir de meados da década de 1970, intensificam-se os movimentos sociais para que se restabeleça a democracia no País. Nesse período também aumentam de forma extraordinária as discussões relacionadas à educação de forma geral e especificamente com relação à Geografia.

Essa época foi marcada como um período que as teorias críticas ficam em maior evidencia. O Movimento de Renovação Geográfica, que já vinha sendo gestado lentamente, nesse período toma corpo e as teorias críticas ganham impulso tanto na Geografia como na Pedagogia. Assim, nesse processo de redemocratização os conhecimentos escolares passaram a ser questionados e as lutas de profissionais desde a sala de aula de todos os níveis educacionais ganham maior expressão. Diante de muitas reivindicações e discussões, em 1979, o Conselho Federal de Educação cede e dá o sinal verde para que Geografia e História voltem a ser ensinadas separadamente. Assim, na década de 80 aconteceu a reintrodução dessas disciplinas nas classes de 5ª a 8ª séries.

Quanto às primeiras séries do Ensino Fundamental não houve modificações, o que só veio a acontecer na década de 90, com a aprovação da nova LDB n.9394/96 em 20 de dezembro de 1996, em substituição às leis nºs 4.024/61, nº 5.540/68 e nº 5.692/71. Em 14 de junho de 1993, por meio da lei nº 8.663, foi revogado o decreto-lei nº 869/69, que incluía a EMC nas escolas, mas somente com a publicação dos PCNs é que de fato a Geografia nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental passou a ter espaço legal no currículo escolar.

Diante desse cenário é possível a observação de alguns pontos da reforma educacional ocorrida no Brasil na década de 1990. Parece claro que a instituição dos Parâmetros Curriculares Nacionais foi apenas um dos componentes dessa reforma educacional brasileira.Segundo a Lei de Diretrizes da Educação Nacional-Lei n. 9394/96, artigo 9° (1996, p. 29).

“A União incumbir-se-á de estabelecer, em colaboração com os Estados, Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a Educação Infantil, Ensino Fundamental e o Ensino Médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos de modo a assegurar a formação básica comum.”

Com todas essas mudanças o ensino de Geografia aos poucos vai se revitalizando nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental, mas essas alterações são ainda muita lentas, haja vista que até hoje as aulas da disciplina nessas classes fazem parte do currículo real de forma secundária. De acordo com Straforini (2002, p.96).

Sabemos que nos primeiros ciclos do Ensino Fundamental as aulas de Geografia, assim como das outras disciplinas que não sejam Português e Matemática, ocupam um papel secundário, muitas vezes irrelevante no cotidiano da escola. Sabemos que isso decorre da falta de discussões teóricas, metodológicas e epistemológicas, bem como do grande problema na formação dos professores das séries iniciais, que assumem as suas dificuldades perante a discussão teórica das referidas disciplinas.

Assim, como foi colocado anteriormente, o ensino de História e Geografia só iria se tornar parte do currículo oficial nas séries iniciais a partir da publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Mas é conveniente analisar como sua divulgação interfere na prática docente dos professores dessas séries e, desse modo, avaliar quais foram às mudanças positivas ou negativas resultantes da medida. E é sabido que oficialização das duas disciplinas nas primeiras séries do Ensino Fundamental não foi suficiente para incluí-las de fato nas salas de aula.

A intenção política do MEC era a formulação de uma base comum nacional que indicaria os conteúdos e capacidades a serem adquiridas pelos alunos ao final do Ensino Fundamental, que prevê a definição de elementos básicos comuns a partir de ampla discussão, com a participação e elaboração conjunta de todos os interessados no assunto através de suas organizações, porém, segundoSaviani (1996), a planejada ampla discussão não aconteceu, pelo menos de forma democrática, de maneira que os Parâmetros ficaram aquém do esperado, os textos extremamente teóricos, e, em alguns trechos, detalhistas demais e ambíguos.

Mexe-se no currículo, mas não são pensadas ações que ofereçam aos professores distribuídos por todo o território brasileiro momentos de reflexão no sentido de valorizar a interdisciplinaridade e os trabalhos coletivos em uma sociedade e em uma organização escolar na qual prevalece o individual, para não dizer o individualismo, em que as disciplinas estão extremamente compartimentadas, não considerando as fronteiras indeléveis existentes entre elas. Idéias boas são destruídas pela forma autoritária de sua implementação”. (PONTUSCHKA, 1999, p.17).

Em vista disso podemos, por meio das afirmações das autoras, perceber que apesar de a LDB exigir um Currículo de Base Nacional, os PCNs foram elaborados de forma a não cumprir as exigências da lei. Pode-se inferir, então, que as intenções eram mais que cognitivas e sim ideológicas, de acordo com Silva (1995), o currículo, ao lado de muitos outros discursos, nos faz ser o que somos. Por isso o currículo é muito mais que uma questão cognitiva, é muito mais que construção de conhecimento no sentido psicológico. O currículo é a construção de nós mesmos como sujeitos.

Assim, enquanto as discussões voltavam-se para uma suposta superação de problemas cristalizados na educação brasileira de forma geral, como as heranças positivistas chamada de educação tradicional, na Geografia ocorria o mesmo enquanto se buscavam soluções para os problemas antigos como as questões das dualidades relativas à Geografia Física ou Humana, bem como do ensino baseado na descrição e memorização, além do que outras equações foram se cristalizando e persistiam as práticas antidemocráticas. Com isso não se quer dizer que essas discussões não foram importantes, mas que as novas propostas não foram acompanhadas na prática docente e, dessa forma, novos problemas foram sendo sedimentados paralelamente aos antigos, haja vista a forma como foram implantados os PCNs.

Dessa maneira, nas discussões de antigos problemas outros recém-surgidos foram se solidificando e por meio de “palavras sagradas” vão sendo transformadas em “leis” dentro do ambiente escolar, nas capacitações, nos documentos oficiais, nas conversas dos professores e na mídia falada e escrita. E toda a problemática vai sendo reproduzida pelas professoras na suas práticas no dia-a-dia escolar. Para Arthur Lovejoy, um eminente historiador da Filosofia (apud AZANHA, 1995, p. 46), “muitas vezes essas palavras sagradas podem dar origem a confusas associações de idéias e até mesmo abrigando significados contrários.”

Podemos perceber que muitas palavras foram sendo tratadas como “sagradas” dentro desse contexto educacional, como cidadania e a criticidade. Assim, outro problema foi detectado e consistiu nas orientações para que o ensino de Geografia nas séries iniciais se voltasse para o desenvolvimento do cidadão crítico.

De acordo com os PCN (1997) adquirir conhecimentos básicos de Geografia é algo importante para a vida em sociedade, em particular para o desenvolvimento das funções de cidadania.

Fica claro que as orientações dos Parâmetros vão aos poucos configurando novos problemas. O lema da educação escolar passa a ser o de formar cidadãos críticos e as disciplinas, no caso a Geografia, são os meios para que isso ocorra. Posso (2006) afirmar que:

“A educação para a cidadania e democracia constrói-se como premissa na territorialidade escolar, perpassando todos os recortes e problemas específicos do espaciotemporal, sobrepondo-se como finalidade última e primeira de todas as ações. E, nesse sentido, como elemento dado constitui-se num problema.”

O tal problema consiste no fato de que essa preocupação aparente observada nos documentos oficiais é meramente superficial, pois de fato não há esforços para que mudanças estruturais ocorram e isso fica claro quando analisamos a forma como os PCNs foram elaborados, uma vez que esse documento estabelecia uma base nacional comum. Como sinaliza para uma escola democrática, esse documento, no mínimo, também deveria ter sido feito de modo democrático, o que não ocorreu. Salienta (PONTUSCHKA, 1999, p.17): “Idéias boas são destruídas pela forma autoritária de sua implementação.”

Outra questão problemática é a idéia de que, para se promover o ensino de Geografia nessas séries, as crianças devem estar alfabetizadas, dominando os códigos lingüísticos. A ausência de orientações que encaminhem o seu aprendizado por meio da oralidade, de dramatizações, músicas ou brincadeiras vai reforçar a idéia de que o ensino de Geografia nas Séries Iniciais do ensino fundamental só deve ser ministrada de fato quando a criança já estiver letrada ou sabendo ler e escrever.

Além desses problemas podemos ressaltar que o documento vem reforçar outros já mencionados neste trabalho e antigos, como o Círculo Concêntrico e a separação enfática de sociedade e natureza, ou da Geografia física e humana, como podemos ver a seguir nos PCN (1997, p. 127)

“O estudo da Geografia deve abordar principalmente questões relativas à presença e ao papel da natureza e sua relação com a ação dos indivíduos, dos grupos sociais e, de forma geral, da sociedade na construção do espaço geográfico. Para tanto, a paisagem local e o espaço vivido são as referências para o professor organizar seu trabalho.”

E mais adiante, nos objetivos da Geografia para o primeiro ciclo:

“Reconhecer na paisagem local e no lugar em que se encontram inserida as diferentes manifestações da natureza e a apropriação e transformação dela pela ação de sua coletividade e seu grupo social” (PCN, 1997, p.130).

Desse modo, ao longo do documento esses mesmos problemas são reafirmados sem direcionamentos claros para a sua superação.

Então fica evidente que, de forma direta e indireta, reforçam-se dois problemas que há muito tempo vêem sendo discutidos por estudiosos do ensino da Geografia: a idéia de que o seu ensino tem que partir de uma escala local para, posteriormente, nas séries mais adiantadas, tratar das escala global, sendo que essa concepção vem principalmente das Teorias Piagetianas, defendidas também no âmbito da Educação Moral e Cívica, como já citamos anteriormente. E o outro problema, reforçado muitas vezes durante o texto do documento, é a separação entre a natureza e a sociedade, o que acaba por reforçar a divisão entre Geografia Humana, Física e Econômica.

Considerações finais

A nossa intenção até este momento foi a de refletir a respeito de como as práticas educacionais dos professores das séries iniciais do Ensino Fundamental foram sendo construídas, entendendo que a forma de construção do pensar desses professores em relação ao ensino de Geografia foi e é muito mais complexa do que podemos detectar aparentemente. Essa construção se deu culturalmente, entre outros motivos, pela forma secundária como o ensino sempre foi tratado nas séries iniciais do Ensino Fundamental, em especial devido a medidas educacionais fundadas em políticas momentâneas de cada governo, medidas muitas vezes equivocadas.

Alguns pontos nos encaminham para a melhor compreensão da questão colocada, o primeiro é de que o ensino de Geografia foi implantado oficialmente nas primeiras séries do ensino fundamental muito recentemente e depois substituído pelos Estudos Sociais. Essa fase deixou marcas nas professoras, nas práticas e na forma de pensar a respeito do ensino de Geografia .

Um outro período responsável também pela construção de novas formas de pensar ocorreu na década de 90, com a nova LDB e as reformas educacionais acontecidas nesse decênio, principalmente com os Parâmetros Curriculares Nacionais que, apesar de finalmente colocarem oficialmente a Geografia e a História separadas, reforçaram velhos problemas e criaram novos, como a idéia de que o ensino de Geografia tem como objetivo principal formar para a criticidade e para a cidadania. Desta forma

Tais medidas, atos e situações sintetizadas nesses dois momentos, ou seja, o regime militar e, posteriormente, a redemocratização, nos colocam diante de conjunturas importantes que nos permitem refletir sobre o passado, presente e futuro e dessa forma refletir sobre como foi construído o imaginário existente relacionado ao ensino de Geografia nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental que foi sendo construído, ao longo da história da educação brasileira o que hoje se traduz nas praticas docentes.

REFERÊNCIAS

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[1] Mestranda em Geografia PUC/SP/ valerri_marques@hotmail.com